Opinião
Meu voto não é uma granada
Uma borboleta bate asas na China e provoca um maremoto em Copacabana. Assim é o mundo de hoje, tudo ligado, tudo parte da mesma narrativa, do mesmo (eco)sistema.
Acabo de chegar à Guatemala e vejo na capa do principal jornal do país um aperto de mãos entre o nosso António Guterres e o Presidente da Guatemala, Jimmy Morales.
A foto ocupa quase toda a primeira página, o que me faz perguntar a um amigo local o que motiva tal atenção. A resposta é longa, mas posso resumir: há uma comissão da ONU a investigar atos de corrupção na Guatemala; o governo guatemalteco tem atrapalhado a ponto de bloquear os trabalhos; daquele encontro poderia sair um acordo.
Há pesadas acusações que envolvem membros do governo, inclusive contra o próprio Presidente. Normal. Acontece aos melhores países. Pergunto quando vão ser as próximas eleições e se a indignação da população poderia levar à eleição de um idiota como Trump ou de um palerma como Bolsonaro. Contam-me que a história de lá já ultrapassou esse tipo de escolha.
Jimmy Morales não é um político de carreira (check). Trata-se de uma figura que se destacou nos media (check) com um discurso moralista (check) e anti-sistema (check, mil vezes, check).
Na verdade, Jimmy é um ex-comediante. Durante 15 anos, produziu, escreveu e era a estrela de um programa de TV com um humor que faria "Os Malucos do Riso" parecer um filme do Woody Allen.
O seu sucesso como comunicador foi confundido com habilidade política. A eficácia com que conseguia falar com a maioria da população garantiu um palanque para disseminar o seu discurso a defender valores reacionários e a prometer mão forte contra a roubalheira que assolava o país.
E assim a Guatemala elegeu um palhaço para acabar com a palhaçada. Nem o Tiririca se atreveu a tanto.
Mas o capitão aposentado e bufão em ativa, Jair Bolsonaro, foi atrevido o suficiente para se chegar à frente. E, claro, no mundo de hoje, conseguiu o apoio, por hora, mas a crescer, de cerca de 30% dos eleitores brasileiros.
Bolsonaro reúne o pior de todos os mundos: racista, armamentista, homofóbico, hipócrita, a lista é enorme. Como tanta gente vota nele? Por todos os defeitos já citados e mais alguns.
O homem certo, no lugar certo, é também o do discurso adequado, aquele que melhor encarna o espírito do seu tempo. Bolsonaro é isto. Uma personagem que representa de maneira absurdamente ajustada os anseios de uma sociedade desajustada, de um mundo desajustado, de um universo em desintegração.
As hipóteses de ele ganhar são imensas, quase maiores do que a do duplo de candidato e boneco de ventríloquo, Fernando Haddad, o Lula no lugar do Lula.
Sonso, Haddad é uma piada de mau gosto atirada pelo Partido dos Trabalhadores à cara de quem não quer ver o Brasil de volta à mão da mesma quadrilha que só oficialmente saiu do poder.
Um palhaço e uma piada são os dois candidatos que aparecem a liderar as sondagens nas eleições do próximo domingo. Daí a minha tese de que o Brasil não vai virar um circo. Já virou.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Há quem confunda a democracia com uma guerra e o voto com uma granada. Depois, não se surpreendam com os resultados."
Publicitário e Storyteller
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico