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Edson Athayde - Publicitário e Storyteller 03 de Julho de 2018 às 19:50

Lágrimas e chuvas

Poesia não escolhe hora para acontecer. A metáfora tornou-se óbvia e ao mesmo tempo boa. Lisboa chorava feliz em mais uma despedida sentida de uma personagem tão querida por todos.

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São Pedro gosta de música. Ou de músicos, ao menos. Essa minha teoria tem comprovação a partir de vários eventos em que estive presente, ao longo dos anos, em vários países.

 

O mais recente foi no fim de semana passado, em Lisboa, em pleno Rock in Rio (RiR). Numa sexta-feira marcada por uma meteorologia inconstante, calhou de chover fortemente no Parque da Bela Vista apenas durante o momento em que o Estado português se reuniu no palco para homenagear Zé Pedro.

 

Poesia não escolhe hora para acontecer. A metáfora tornou-se óbvia e ao mesmo tempo boa. Lisboa chorava feliz em mais uma despedida sentida de uma personagem tão querida por todos.

 

Tocante ver Zé Pedro ao longe, a guitarra nos ecrãs gigantes da cidade do rock. Estava lá, sem estar. Estava mais leve do que o ar. Quase a desafiar: "Quem está mais vivo? Eu ou vocês?"

 

Para quem acredita que o Rock in Rio é apenas uma feira de marketing, aquele momento era a resposta bonita. A cada visita, o RiR revela-se cada vez mais integrado às vidas dos portugueses. Já há tradições, revivalismos pertinentes, histórias de vidas que se cruzam por ali.

 

Eu, que estive na primeira edição de todas, não tenho como não sentir-me parte de uma imensa narrativa. Cada vez que vou, reminiscências voltam à minha cabeça, seja da noite em que James Taylor descobriu que ainda estava vivo artisticamente (RiR 1985) ou no adeus definitivo dos The Police (RiR Madrid 2008).

 

A chuva sobre os Xutos recordou-me instantaneamente um concerto em homenagem a Tom Jobim, na festa do réveillon de Copacabana em 1994.

 

O maestro Jobim tinha acabado de falecer e a prefeitura do Rio decidiu improvisar um espectáculo na praia, reunindo nomes como Caetano Veloso, Gal Costa, Chico Buarque, Gilberto Gil, entre outros.

 

Naqueles tempos, as colunas de som não estavam preparadas para espaços tão abertos. A potência mal dava para projectar as vozes dos cantores além de alguns metros do palco. Assim, uma multidão de mais de um milhão de pessoas ficou responsável por dar, literalmente, eco às canções.

 

Foram dezenas de músicas cantadas à capela, solfejadas baixinho, como a bossa nova merece e pede para ser. Só isto já seria algo inesquecível se São Pedro e um piloto da Varig não decidissem transformar o céu do Rio de Janeiro num show à parte.

 

Uma chuva fina teimava em cair naquela noite. Só parou aos primeiros acordes do "Samba do Avião". Aliás, as nuvens afastaram-se em segundos, revelando um manto de estrelas. Foi nesse momento em que um avião da ponte aérea Rio-São Paulo apareceu. Desviando-se da sua rota óbvia, decidiu sobrevoar a orla de Copacabana num voo quase rasante.

 

Nunca mais ouvi o "Samba do Avião" sem me lembrar daquele momento. Como penso que as gotas de chuva grandes e pesadas que caíram na minha testa sexta-feira passada também ficarão como parte da minha memorabilia particular dos Xutos.

 

Afinal, São Pedro gosta mesmo de músicos. E eu também.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo: "O princípio de um arco-íris é sempre a chuva."

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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