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14 de Julho de 2020 às 19:20

A nossa dor dos outros

Somos todos uma Darnella em potencial. Somos todos os olhos e os ouvidos de toda a humanidade. Parece que ao caminharmos talvez para Gaia (um governo mundial) temos de passar antes por uma vida em colmeia.

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Na semana passada escrevi aqui um texto sobre a empatia que ressoou bastante. Foram muitos os comentários, o que motivou-me a permanecer no tema (que julgo ser dos mais relevantes dos nossos dias).

Foi o ator Will Smith que disse a frase que melhor capta o zeitgeist. Perguntado sobre o racismo nos EUA, ele disse: “Sempre existiu. A diferença é que agora está a ser filmado.”

Filmado, fotografado, tatuado na nossa memória. Somos a primeira geração de humanos obrigados a viver 24 horas por dia a ser confrontados com a nossa dura realidade enquanto espécie e não com uma romantização qualquer sobre a nossa índole.

A coisa não começou agora, mas acelerou exponencialmente. Um dos primeiros sinais do que aí vinha (do que aqui chegou) remonta aos documentários alternativos sobre a guerra do Vietname. Enquanto os canais de TV americanos eram obrigados a uma cobertura patriótica do evento (vulgo, forjada e adocicada para agradar o governo), as imagens brutais sobre o que lá se passava eram colhidas e distribuídas por onde fosse possível. Mais cedo ou mais tarde elas cairiam (como caíram) no colo dos americanos.

Já não precisamos dos jornalistas para isto (ainda precisamos deles para um infinito número de outras coisas, tenha a certeza). Qualquer proprietário de um smartphone tem nas suas mãos recursos tecnológicos profissionais de captação e transmissão de eventos.

Darnella Frazier é atualmente a cinegrafista mais influente do mundo. Darnella tem apenas 17 anos. É negra. No dia 25 de maio, estava a passear nas ruas de Mineápolis quando deparou-se com um homem negro a ser brutalmente subjugado por alguns policiais. O homem era George Floyd (que, como sabe, morreu asfixiado). Darnella postou o vídeo. E com isto contribuiu vigorosamente para mudar o percurso do rio eleitoral americano (e, talvez de outros países). Ainda não sabemos se terá sido o suficiente para derrotar Trump nas urnas, mas o contributo está feito.

Somos todos uma Darnella em potencial. Somos todos os olhos e os ouvidos de toda a humanidade. Parece que ao caminharmos talvez para Gaia (um governo mundial) temos de passar antes por uma vida em colmeia.

As abelhas são insetos altamente sociais. Organizam-se em grupos de até 100 mil indivíduos que lidam com a vida como se fossem um só organismo. Magoou uma abelha magoou todas. Não há cada uma por si, Deus por todas, entre elas.

O outro lado de viver num mundo aparentemente mais desumano (na verdade, a desumanidade sempre esteve lá, não estava era a ser registada como deveria) é o trabalho diário de desenvolvermos uma maior e mais musculada empatia. A narrativa vigente é a que devemos de sentir a dor dos outros como se fossem nossas. E vice-versa. E aprender a levantar o rabo da cadeira e fazer qualquer coisa com esse sentimento.

Ou como diria o meu Tio Olavo: “Quem sofre a dor dos outros e não faz nada não é empático, é masoquista.”

 

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