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08 de Maio de 2018 às 21:12

A equação da felicidade

Hollywood é sempre um espelho da realidade e não o contrário. Basta conversar com quem tem menos de 40 anos para sabermos que a felicidade se tornou, no mundo laboral, numa espécie de "commodity".

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Houve uma época em que Hollywood tinha um género de filme que, com o tempo, se perdeu: o da procura da felicidade.

 

Não faça confusão com as comédias românticas nem com as sagas heróicas. A felicidade sobre a qual falamos não era um acessório de um amor conquistado, nem a consequência de um território conquistado, uma guerra ganha, um tesouro encontrado ou um reino pacificado.

 

A felicidade era o motor que movia o protagonista, a essência da sua saga. "O Feiticeiro de Oz" serve como uma boa referência. A inconformada Dorothy imagina que a sua vida pode ser melhor fora do Kansas. Sonha tanto com isto que acaba por ser levada pelos seus sapatos mágicos para o Reino de Oz. No final, a pequena descobre que mais valia ter ficado em casa, que a felicidade verdadeira estava no carinho da família.

 

A longa "Horizonte Perdido", dos anos 70, também é um bom representante desse género anacrónico. No caso, um grupo de desavisados vai parar no Tibet e descobre a comunidade de "Xangri-lá", onde ninguém envelhece, todos são sábios, a fome não existe e a felicidade é plena. Claro que nada disto parece ser de verdade e o protagonista sofre com dúvidas existenciais que o afastam dali. Ou seja, a moral da história é que não sabemos reconhecer a felicidade quando a encontramos.

 

Já ninguém procura a felicidade no cinema. Quando muito, querem anéis mágicos ou outros substitutos físicos. Vivemos uma era que os heróis precisam de um objetivo claro (e que de preferência seja um objeto) a perseguir e não de tretas filosóficas.

 

Hollywood é sempre um espelho da realidade e não o contrário. Basta conversar com quem tem menos de 40 anos para sabermos que a felicidade se tornou, no mundo laboral, numa espécie de "commodity". Todos querem a felicidade como um complemento de salário.

 

Segundo esse ponto de vista, tão bem difundido, a felicidade vem através de pequenos-almoços gratuitos, massagens e matraquilhos na empresa. Tolerância de horário também traz felicidade. Morar perto da empresa é o que é preciso para se ser feliz. Um chefe que vive a sorrir, tem o temperamento de um labrador e que nunca diga "não" é parte fundamental da narrativa.

 

Não tenho nada contra nenhum dos itens acima, longe disso. Só que, lamento, a felicidade não é um bem transacionável de tão baixo valor.

 

Já vamos em duas gerações (caminhando alegremente para a terceira) de profissionais infelizes por descobrirem que as empresas que labutam não são "Oz" nem "Xangri-lá". Que nem sempre tudo dá certo. Que o melhor chefe do mundo tem os seus dias de mau humor. Que até na hierarquia mais horizontal possível ainda há horas em que um "não" bem dado por quem decide é a melhor ou a única solução.

 

Li há dias uma entrevista de um ex-executivo do Google, chamado Mo Gawdat, que falava sobre este tema. Aliás, o tipo escreveu um bestseller a teorizar sobre a felicidade nos dias de hoje. É dele a ideia de existe uma equação para se ser feliz.

 

Nas palavras de Mo: "(...) a felicidade é igual à diferença entre os acontecimentos da sua vida e as expetativas de como a vida devia ser. O seu cérebro resolve essa equação a cada segundo. O seu cérebro não tem mais nada para fazer do que isso. Está constantemente a comparar eventos com expetativas".

 

Em síntese, quanto mais inapropriadas as suas expetativas em relação à realidade, mais infeliz será. Simples assim.

 

Ele não diz que estamos proibidos de sonhar, de projetar, de imaginar um mundo melhor. Apenas recomenda que exercitemos os músculos do cérebro para racionalizar as coisas. Por exemplo: sair da empresa onde trabalha porque não deixam tirar as tardes de Sexta-Feira para ir ao cinema, pode não ser a decisão mais correta na busca pela felicidade. Até porque, filho, vai ser difícil encontrar alguém disponível a pagar para que se divirta enquanto os outros labutam.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Um dia, fui atrás da felicidade. Até hoje não voltei".

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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