Opinião
Complexidade e novos desafios
Todo o nosso atual edifício de proteção social está baseado no trabalho, ou melhor, na remuneração direta e indireta do trabalho vivo.
O mundo hoje é muito complexo.
As velhas divisões sociais entre patrões e empregados, entre o rural e o urbano ou entre igrejas e laicidade que deram origem a muitas das instituições da nossa democracia (como os partidos políticos, os sindicatos ou as organizações patronais) são agora menos ativas nas suas formas mais tradicionais, abrindo espaço para novas fraturas de natureza social e ecológica que, num ambiente de globalização, estão na origem de novas e profundas instabilidades sociais que ameaçam conduzir a aventureirismos demagógicos e são potenciais geradoras de novos perigos totalitários.
É neste contexto que se situam a revolução digital que vivemos e as novas formas de produção e consumo que dela emergem com um efeito muito intenso em relação à organização do trabalho.
Todo o nosso atual edifício de proteção social está baseado no trabalho, ou melhor, na remuneração direta e indireta do trabalho vivo. A automatização crescente da economia leva à necessidade de se considerar, simultaneamente, o "trabalho vivo" dos seres humanos e "trabalho morto" que dele resulta, por exemplo, tributando as máquinas, como os computadores ou os robôs e outros suportes da designada "inteligência artificial".
A enorme concentração dos meios de desenvolvimento destes processos traz consigo novas fraturas que não deixarão de gerar novas oportunidades para a economia coletiva que Edgard Milhaud, fundador do CIRIEC Internacional, nos ensinou enquanto conjunto da economia pública e da economia social, destacando-se nesta o papel do mutualismo, do cooperativismo e do associativismo em geral.
Como recordava, em 2016, o professor espanhol José Luís Monzón, no ato comemorativo do trigésimo aniversário da criação do CIRIEC-Espanha, com o fim do confronto direto entre os dois sistemas mundiais que governavam o mundo, simbolizado pela queda do "Muro de Berlim", aumentou a pressão social e económica neoliberal e o fundamentalismo de mercado com a consequente desregulamentação dos mercados financeiros, a privatização da economia pública e/ou a externalização e a transferência de importantes serviços assistenciais do Estado na educação e em todas as áreas da proteção social (segurança social, saúde e apoio social).
Neste contexto é necessário que as organizações do setor da economia social, em particular as do subsetor não mercantil, deem uma atenção especial às políticas públicas de matriz neoliberal que visam a sua instrumentalização, fazendo-as substituir o Estado em obrigações que a este competem, sem preocupação em respeitar os valores intrínsecos da economia social. Muito dos apoios da Comissão Europeia às recém-designadas "empresas sociais", que se afastam claramente do conceito de economia coletiva de Milhaud, podem ser enquadrados nesta problemática.
Com o crescimento exponencial dos serviços e o acelerado processo de globalização, as organizações de economia social enfrentam novas contradições e desafios que, ao obrigá-las a adaptarem-se a novas exigências do mercado, não podem desviá-las da tarefa essencial para a sua existência e desenvolvimento que consiste na manutenção e reforço dos seus valores seminais, enquanto economia coletiva, independente e democrática, que são os garantes do seu valor acrescentado e da sua utilidade social.
Um ano e 53 páginas depois, a economia social está mais forte…
Faz precisamente amanhã um ano que se iniciou a publicação semanal, no Jornal de Negócios, de uma página dedicada à economia social.
Trata-se de uma parceria entre a Cofina Media e a Associação Mutualista Montepio Geral, cabendo à mutualidade a coordenação editorial, através do Gabinete de Estudos Sociais e Mutualistas, em colaboração com o Observatório da Economia Social Portuguesa (CIRIEC Portugal/CASES).
Ao longo de um ano, foram editadas 53 páginas, com notícias e apontamentos sobre a economia social e artigos de opinião assinados por 39 personalidades, entre professores universitários, dirigentes e quadros de entidades da economia social, nomeadamente mutualidades, cooperativas, misericórdias, fundações, outras IPSS, associações de desenvolvimento local e coletividades de cultura, recreio e desporto.
Num ano marcado positivamente pela criação e institucionalização da Confederação Portuguesa da Economia Social, esta experiência comunicacional tem contribuído para uma maior divulgação da economia social, quer pela diversidade dos temas abordados, quer pela pluralidade dos articulistas.
Após um curto período de descanso, retomaremos a publicação no início de setembro, porque a economia social faz falta…
Presidente do CIRIEC Internacional e do CIRIEC Portugal
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico