Opinião
A importância das cooperativas de solidariedade social
As cooperativas de solidariedade social são, em Portugal, uma realidade relativamente recente.
De facto, só após a penúltima revisão do Código Cooperativo, em 1996, ficou consignada a instituição do ramo cooperativo da solidariedade social, e quase dois anos depois viria a ser publicada a regulamentação específica das cooperativas de solidariedade social. Contudo, a essência das cooperativas deste ramo pode ser encontrada nas CERCI, cooperativas que, embora formalmente integradas no ramo do ensino durante muitos anos, desenvolvem há mais de quatro décadas um trabalho plurifacetado dirigido às pessoas com deficiência e suas famílias.
As CERCI, cuja sigla significava Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas, surgem como resultado da mobilização das populações para responder à necessidade de criar respostas educativas para pessoas com deficiência mental que, até então, estavam arredadas da possibilidade de frequentar a escola.
Na altura, e estamos a falar no período pós-revolucionário da segunda metade da década de setenta, a opção cooperativa surgia como a mais genuína das formas de organização popular de base, na medida em que colocava todos no mesmo nível de responsabilidade, deveres e direitos, razão que pode explicar o sucesso deste movimento que, lançado em Lisboa, facilmente se espalhou por todo o país. Desde o início, a imagem de marca destas cooperativas era a voluntariedade dos seus promotores, a capacidade de encontrar formas criativas de contornar as dificuldades, a grande ligação às comunidades, um claro sentido de cooperação com todos os agentes locais e entidades de outros setores e sobretudo, o posicionamento reivindicativo que assumiam, que contrastava com um certo conformismo instalado no setor.
As CERCI começaram assim por ser apenas escolas de educação especial. Mas com o decorrer dos anos, a própria dinâmica de funcionamento começou a gerar outro tipo de necessidades, a determinar que as cooperativas estruturassem novos domínios de atendimento. Por isso, e a partir do núcleo fundador, criaram-se novos serviços, nomeadamente ao nível do apoio ocupacional e residencial, do apoio domiciliário, da formação profissional e, mais tarde, da intervenção precoce e atendimento à infância. Da realidade restrita ao campo do ensino, as CERCI evoluíram para estruturas com serviços diversificados para públicos-alvo variados, com serviços especializados e outros de utilização comum pela comunidade, pautados por padrões de qualidade e inovação reconhecidos pela comunidade e pelos interlocutores institucionais. Entretanto, verificou-se uma evolução no próprio nome da estrutura que de Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas passou a Cooperativas de Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados. Uma mudança com sentido e profundo significado!
Hoje, as CERCI são estruturas sólidas, prestadoras de um conjunto vasto de serviços de proximidade à comunidade, envolvendo 22 mil cooperadores e 527 dirigentes voluntários, e são responsáveis por mais de 3.400 empregos. A nível nacional, garantem apoio direto ou indireto a um universo de mais de 25 mil pessoas em situação de desvantagem individual ou social.
As cooperativas de solidariedade social são, claramente, uma resposta económica e social de validade e importância indiscutível, quer pelas oportunidades de emprego que criam, quer pelas competências de ação que lhe são intrínsecas.
Relatório das Nações Unidas sublinha potencial das cooperativas
Um relatório recente do secretário-geral das Nações Unidas destaca o potencial das cooperativas na contribuição para a consecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e para promover a Agenda 2030. O relatório reconhece que "as cooperativas têm uma perspetiva de longo prazo sobre o investimento na comunidade, o que as responsabiliza pelo bem comum e as compromete com a sustentabilidade e a responsabilidade social." O relatório propõe algumas estratégias para o fortalecimento das cooperativas e recomenda a aplicação de políticas públicas de fomento do cooperativismo.
Uma leitura sobre o caso Raríssimas
As entidades subscritoras da carta de compromisso para a criação da Confederação Portuguesa da Economia Social, às quais foi convidado a juntar-se o CIRIEC Portugal, tornaram pública uma posição conjunta sobre o processo da associação Raríssimas. No documento é afirmado que, além da realização "de todas as investigações que permitam apurar responsabilidades", não se pode generalizar um eventual mau exemplo e prejudicar assim "milhares de organizações, com sérios impactos na sua imagem, integridade e dedicação e até com consequências imprevisíveis na sua sustentabilidade". O comunicado está disponível no sítio da CASES.
Vice-presidente da FENACERCI. Presidente da CONFECOOP
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico