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Um SNS centrado em quem?

Será difícil, do ponto de vista técnico, corrigir esta artroplastia financeira que afeta o nosso SNS? Não! Basta que aos objetivos operacionais (de produção) se acrescentem (criteriosamente) indicadores funcionais, que são os que, em última análise, interessam aos utentes.

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Os sistemas de organização económica podem ser agrupados em duas grandes categorias: os que estão orientados para satisfazer as necessidades e preferências dos consumidores, geralmente baseados em mercados livres, contratação consensual e descentralização decisória, e os que estão estruturados para a conveniência e interesses dos produtores, usualmente de natureza estadista, com decisão centralizada e funcionamento regulado.

Em que categoria estará o nosso SNS? Um elemento importante para a resposta a esta questão é a análise do sistema de financiamento nele usado. No sistema atual o Estado contratualiza, todos os anos, com os prestadores públicos, um certo volume de atos médicos. Uma primeira pergunta que se pode fazer é se esta contratualização de atos médicos se baseia nos cuidados médicos de que a população vai necessitar ou se não será antes determinada por aquilo que os hospitais podem fazer, para já não dizer querem fazer. Outra questão que se pode pôr é saber o que conta, para efeitos de monitorização e respetivo financiamento, como ato médico realizado.

Assumamos que são contratualizadas 100 artroplastias do joelho (um tratamento cirúrgico) para diminuir ou eliminar a dor provocada por osteoartrite aguda primária do joelho com o Hospital A e outras 100 com o Hospital B. Suponhamos ainda que até ao final do ano em causa o Hospital A realizou apenas 50 cirurgias, isto é, metade do contratualizado, mas todos os pacientes recuperaram total e perfeitamente as capacidades funcionais, ficaram sem dor e não ocorreram eventos adversos associados ao procedimento. Como é avaliado este hospital para efeitos de financiamento futuro? Tendo ficado muito aquém do objetivo estabelecido, irá ser penalizado e verá o seu financiamento cortado. Para que haveria de receber por 100 se só fez 50?

Por outro lado, assumamos que o Hospital B realizou as 100 cirurgias, mas que devido a complicações posteriores (nos hospitais nacionais as complicações são sempre posteriores), os 100 intervencionados tiveram de ter a perna amputada. Como é avaliado este hospital para efeitos de financiamento futuro? Tendo atingido a 100% o objetivo contratualizado, será financiado pela totalidade das artroplastias contratualizadas mesmo que, sejamos francos, estas não tenham servido para nada de bom.

Por incrível que pareça, dadas as listas de espera sobejamente conhecidas, o atual sistema de financiamento do SNS está orientado para o volume de produção, não para a qualidade do que é produzido. Será então que se pode dizer que a sua arquitetura está vocacionada para satisfazer as necessidades dos utentes? Ou não será que está estruturado para satisfazer a necessidade dos produtores?

Será difícil, do ponto de vista técnico, corrigir esta artroplastia financeira que afeta o nosso SNS? Não! Basta que aos objetivos operacionais (de produção) se acrescentem (criteriosamente) indicadores funcionais, que são os que, em última análise, interessam aos utentes.

José Miguel Pinto dos Santos - Professor de Finanças, AESE Business School

 

Sandra Bernardes de Oliveira - Professora de Economia da Saúde, Departamento de Ciências Sociais e Organizacionais do I. P. Santarém

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