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02 de Janeiro de 2017 às 16:30

Três desejos

Confesso que não tenho simpatia especial pela tradição das previsões de final de ano sobre o que se passará na economia no ano prestes a começar. Até porque, como se costuma dizer, com o ano novo, a única coisa que muda é o calendário…

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E o que vai acontecer no ano civil de 2017 não é mais do que a consequência e a continuação dos factos e das políticas dos anos anteriores. Além disso, lembro-me sempre do que Miguel Beleza costumava recordar do seu professor Robert Solow, que aconselhava aos seus alunos: "não façam previsões, mas se fizerem, façam muitas…". Por isso seguirei a primeira parte deste conselho, substituindo o que seriam as minhas previsões para 2017 pelos meus desejos para 2017. No entanto, não vou seguir a tradição das 12 passas da meia-noite da passagem de ano atrevendo-me a formular 12 desejos para 2017, limitando-me antes a três, na linha da lenda de Aladino.

Como tive ocasião de referir recentemente num "working paper"  publicado pela CMVM ("A crise financeira: aprendemos as lições?"), são muitos e substanciais os riscos que pesam sobre o sistema financeiro mundial. São uma consequência daquilo que entendo ser a insuficiente correcção dos comportamentos que levaram à crise iniciada em 2007/2008, a par dos efeitos colaterais de algumas políticas adoptadas com objectivos de combate à crise, que ainda subsiste. Por isso, não surpreenderá que a maior parte dos desejos se prenda com as mudanças destinadas a evitar que daqui a alguns anos não estejamos a falar das causas e das consequências da crise iniciada… em 2017/2018.

Primeiro desejo: que os bancos europeus encetem finalmente um caminho de simplificação da sua actividade, privilegiando as tradicionais áreas centrais do seu negócio. A constatação de que na UE o crédito às empresas e às famílias representa pouco mais de 30% do total dos activos e a sobrecarga de requisitos de capital que as outras actividades (com significativa exposição a riscos de mercado) implicam, deve levar a uma reflexão profunda de reguladores e regulados sobre o modelo de banca universal e os custos regulatórios e sociais que tem implicado. A situação não é homogénea na Europa, com casos de bancos cuja actividade creditícia representa apenas 18 a 20% do respectivo activo (casos do Crédit Agricole ou do Deutsche Bank) até casos que atingem ou ultrapassam os 60% (casos do CaixaBank por exemplo e dos bancos portugueses em geral). O retomar do foco principal na banca de retalho por parte dos bancos comerciais e da especialização dos bancos grossistas e de investimento seria, em meu entender, um desenvolvimento que permitiria poupar capital aos accionistas e custos de regulação e cumprimento. E certamente constituiria uma maior salvaguarda dos recursos confiados à guarda dos bancos pelos clientes de retalho. Por isso, seria desejável que em 2017 fosse lançada a discussão deste tema pelos reguladores europeus e que, independentemente dela, a prática dos bancos se encaminhasse nesse sentido.

Segundo desejo: que os agentes económicos (públicos e privados) tomem consciência da necessidade de contenção do respectivo endividamento e passem a actuar em conformidade. Chegámos a 2015 com um nível de dívida global do sector não financeiro (público e privado) equivalente a 225% do PIB (em valores consolidados) que, segundo o FMI é o mais elevado de sempre. O valor nominal desta dívida mais do que duplicou desde o início do século. Esta situação – que incorpora grandes assimetrias entre países e espaços económicos - constitui uma forte restrição ao investimento e ao crescimento, bem como uma ameaça à estabilidade financeira, sobretudo num (inevitável) cenário de subida das taxas de juro dos actuais baixíssimos níveis para valores historicamente mais normais. Por outro lado, a inflação em certas categorias de activos (vg obrigações, acções, imobiliário), proporcionada pela abundante liquidez decorrente das medidas de política monetária adoptadas após o desencadear da crise, cria riscos acrescidos para a estabilidade financeira, sobretudo quando conjugada com níveis de endividamento excessivos. Daí que seja crucial que governos, reguladores e autoridades monetárias preparem articuladamente as soluções e intervenções que permitam evitar uma nova situação de instabilidade financeira, perante a inevitável mudança das políticas monetárias. Este conjunto de circunstâncias torna o ano especialmente crítico no que pode distinguir a saída ou, pelo contrário, o aprofundamento, da crise iniciada em 2007/2008.

Terceiro desejo: que em geral as lições da crise financeira ainda em curso sejam apreendidas não apenas por legisladores, reguladores e supervisores, mas por todos os que intervêm nos mercados financeiros e que têm o papel principal: instituições financeiras, investidores, auditores, agências de rating, etc – que por comportamentos inadequados foram de facto os causadores da crise que ainda vivemos. Citando ainda o "working paper" que comecei por referir: "(…) teremos de perguntar se os gestores das instituições financeiras estão mais cientes de que não devem ser levados por interesses egoístas e de curto prazo e expor as empresas que gerem a riscos excessivos que ponham em causa não só o dinheiro dos seus accionistas, como a estabilidade do sistema financeiro e das economias. Se o seu comportamento respeita os padrões éticos necessários à gestão de instituições que vivem da rentabilização das poupanças dos clientes. Se, baseados nesses valores, colocam os interesses dos clientes em primeiro lugar, como foi, durante tantos anos o princípio básico do negócio bancário. E se os accionistas os escolhem de acordo com os mais elevados padrões de profissionalismo e ética e, depois, fiscalizam efectiva e permanentemente a sua actuação através de modelos de governo societário apropriados. E se os órgãos de fiscalização dessas instituições, os administradores não executivos e os auditores exercem as suas funções de controlo de forma diligente, competente e independente, que seja o primeiro e porventura mais eficaz nível de controlo da gestão executiva. E se adquiriram a consciência de que se esse nível falhar, toda a arquitectura de supervisão terá grandes probabilidades de falhar também. E se as agências de rating conseguem criar as condições de competência, independência e ética que torne o seu trabalho um referencial de confiança para os investidores que, no dia a dia, aplicam os seus recursos nos mercados financeiros." Se o ano de 2017 trouxer uma resposta positiva a estas questões será certamente um bom ano para os mercados financeiros e para o mundo.
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