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Tecnologia e liberdades na Semana Europeia da Mobilidade

Cabe-nos insistir neste rumo e continuar a posicionar Portugal como o país por excelência de tecnologias orientadas para uma mobilidade que maximiza liberdades e responde aos desafios da sustentabilidade.

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Porventura nenhuma inovação terá sido tão denegrida como o foi a televisão, muito embora dificilmente encontremos uma tecnologia com o impacto civilizacional daquela. E tal como sucede desde os debates e discussões acerca dos efeitos nefastos da televisão iniciados nos anos 60 do século passado, o debate público sobre inovação tecnológica persiste em exagerar a dimensão de risco e apelar para o conforto e segurança de uma regulação restritiva. Na era da singularidade tecnológica, na qual rápidas mudanças nos surgem tão inevitáveis quanto imprevisíveis, seria leviana a ausência de receios; mesmo assim, a tentadora opção pela regulação para travar alterações civilizacionais irreversíveis peca por simplista e equivale, recorrendo a uma  expressão certeira usada por Francisco Veloso aquando do debate em Portugal sobre os serviços da Uber, "a parar o vento com as mãos".

 

As tensões entre liberdade e tecnologia sentem-se particularmente a propósito da mobilidade, fenómeno inextricavelmente ligado ao curso da História e às grandes transformações geopolíticas, e não podem ser ignoradas na presente Semana Europeia da Mobilidade. Para mais quando hoje confluem na mobilidade tecnologias e tendências disruptivas digitais, físicas e biológicas - IA, realidades imersivas, IoT, blockchain, 5G, impressão 3D - que afetam o sentido de conceitos como produto e serviço, desafiam os papéis reservados a fornecedores e utilizadores, e transformam a nossa própria "circunstância", no sentido que lhe foi dado por Ortega e Gasset.

 

A inovação tecnológica e as novas formas de mobilidade não constituem simples ameaças ou benefícios, porém, até porque inevitavelmente antecedem e escapam ao esforço regulatório que contrapõe liberdades e tecnologia com o fito de preservar o status quo. Não podemos, aliás, dissociar tecnologia e liberdades quando a aplicação daquela é hoje e mais do que nunca, essencial para esbater limitações biológicas e físicas, gerar soluções de sustentabilidade e defender os direitos democráticos.

 

Devemos assim assumir que a regulação da mobilidade terá um papel decisivo na maximização da liberdade pela maximização da tecnologia, pensada não a partir de uma "bondade" inerente - a tecnologia é, em si mesma, neutra -, mas do benefício da sua aplicação para o utilizador, cidadão e ser humano, sem as dicotomias alarmistas que nos distraem das verdadeiras ameaças ao seu potencial libertador. A regulação, neste prisma, deve garantir a liberdade de um utilizador que decide como se move, o que consome, o que comunica, num quadro de sustentabilidade coletiva; viabilizar novos modelos da economia de partilha e de monetização digital de acordo com as opções de mobilidade individual; e assegurar o livre acesso a tecnologias abertas e independentes de operadores e incumbentes, capazes de integrarem serviços distintos, de protegerem a privacidade sem sacrifício da liberdade individual, e de agregarem informação crítica à execução de políticas de sustentabilidade.

 

Singularmente, Portugal não é alheio a esta realidade, mas exibe um passado e futuro invejáveis no desenvolvimento de novos produtos, serviços e soluções para a mobilidade. Desde a criação pioneira de rede de mobilidade elétrica, de dimensão e dispersão inéditas; ao desenvolvimento do primeiro sistema que quantifica emissões de CO2 em tempo real; à criação da primeira plataforma que valoriza o contributo individual para a descarbonização atribuindo créditos transacionáveis pelo uso de meios de mobilidade sustentável (AYRCredits); ou o recente lançamento de uma Zona Livre Tecnológica para teste de soluções disruptivas de mobilidade sustentável, há muito Portugal desenvolve e vê reconhecido o seu esforço inovador no domínio da mobilidade, vendo inclusivamente um dos seus principais centros de inovação integrar o restrito Conselho Consultivo de Breakout Innovation das Nações Unidas. Cabe-nos insistir neste rumo e continuar a posicionar Portugal como o país por excelência de tecnologias orientadas para uma mobilidade que maximiza liberdades e responde aos desafios da sustentabilidade.  

 

Grupo de trabalho para a mobilidade sustentável, CEIIA

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