Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

A fusão de iguais

A expressão "fusão de iguais" (merger of equals) designa o processo de integração de duas ou mais sociedades numa pessoa colectiva única e através do qual os accionistas das sociedades integradas adquirem a qualidade de accionistas da sociedade incorporante.

  • ...
A expressão "fusão de iguais" (merger of equals) designa o processo de integração de duas ou mais sociedades numa pessoa colectiva única e através do qual os accionistas das sociedades integradas adquirem a qualidade de accionistas da sociedade incorporante.

A "fusão de iguais" decorre, habitualmente, numa das seguintes modalidades: ou as sociedades intervenientes se extinguem, surgindo no seu lugar (e com o seu património, activo e passivo) uma nova sociedade (aquilo que no direito anglo-saxónico se designa por consolidation), ou uma das sociedades intervenientes subsiste, incorporando o património das restantes (a designada fusão por incorporação, também chamada, em Itália, fusione imprópria). Em qualquer destas modalidades, produz-se uma união formal e jurídica dos substratos patrimoniais (activo e passivo) e pessoais (accionistas) das sociedades intervenientes, visando a subsequente prossecução, por uma só entidade, da actividade ou actividades de todas as empresas. É por isso que, apesar de implicar a extinção de uma ou mais sociedades, a fusão em geral tem vindo a ser justamente definida como um negócio de vida.

Convém esclarecer que a "fusão de iguais" não corresponde, juridicamente, a uma aquisição. Contrariamente ao que sucede em muitas operações societárias, e inclusivamente em fusões envolvendo sociedades dominadas e sociedades dominantes - nas quais se formaliza, juridicamente, uma integração económica já existente (as designadas short-form mergers de sociedades quase totalmente dominadas são disso exemplo) -, na designada "fusão de iguais" nenhuma das sociedades intervenientes pretende adquirir o controle accionista da outra. Dificilmente o conseguiria, de resto, por força de uma particularidade do ordenamento jurídico português, inédita em outros ordenamentos, que estabelece que, caso alguma das sociedades intervenientes na fusão possua participação no capital de outra, não pode dispor de número de votos superior à soma dos que competem a todos os outros accionistas.

Seja como for, esta distinção (fusão vs aquisição) afecta, desde logo, a definição da contrapartida (termo que utilizaremos, indevidamente, pois não existe propriamente um negócio entre a sociedade emitente das acções e os accionistas da sociedade incorporada), a qual está habitualmente no centro das preocupações de quem acompanha este tipo de operações. Com efeito, enquanto numa aquisição os accionistas da sociedade recebem, em regra, um preço pela alienação das suas acções, pago em dinheiro, acções ou outros títulos, e livremente determinável e negociável entre as partes, na «fusão de iguais» a contrapartida integra acções da sociedade incorporante, a atribuir com base numa relação de troca sujeita a determinados critérios, e onde não cabe o designado prémio de controle.

Refira-se, em abono da verdade, que é legalmente possível, em Portugal, atribuir quantias em dinheiro juntamente com acções da sociedade incorporante, desde que essas quantias não excedam 10% do valor nominal do total das participações a atribuir; este limite, bem como os princípios que regem a atribuição de dinheiro (desde logo, as quantias em dinheiro deverão ser atribuídas de forma igual por todos os accionistas, salvo consentimento de accionistas afectados), não permitem, porém, converter a "fusão de iguais" num instrumento eficaz de aquisição.

Ora, se não bastasse a falta de liberdade de estipulação negocial no que se refere aos bens que constituem a contrapartida, acresce uma outra dificuldade: a lei exige que a relação de troca, proposta pelas administrações das sociedades intervenientes, seja adequada e razoável. Isto significa, portanto, que embora competentes para delinear e impulsionar o processo de fusão, os órgãos de administração devem recorrer a critérios e métodos adequados e razoáveis para a determinação da relação de troca. E, embora a lei não limite a liberdade daqueles órgãos no que diz respeito à escolha de métodos e critérios a adoptar (o que significa que as mesmas são, em princípio, livres para acordar nos mais variados métodos e critérios), o certo é que há, por regra, lugar a um escrutínio formal de revisores oficiais de contas independentes, plasmado num relatório que deve, entre outras coisas, identificar os métodos seguidos na definição da relação de troca, a justificação da aplicação desses métodos ao caso concreto e os valores encontrados através dos mesmos. E há quem inclua, também, entre as incumbências daqueles peritos independentes, a apreciação sobre a coerência da avaliação do património das sociedades, a conveniência e a paridade dos critérios adoptados, ou ainda, a conveniência da fusão para as sociedades e respectivos accionistas.

Concluímos, portanto, que a determinação da contrapartida a oferecer aos accionistas da sociedade incorporada traduz um dos aspectos mais complexos na «fusão de iguais», e que as administrações das sociedades intervenientes dificilmente escapam a um processo rigoroso de avaliação das mesmas. E o pior é que nem uma avaliação rigorosa, geralmente precedida de due diligence e outros actos preparatórios, assegura um processo de fusão pacífico. Com efeito, não existem no direito português mecanismos de ajustamento da relação de troca independentes do processo de fusão (como sucede, por exemplo, na Alemanha), o que significa que, em último caso, a única forma do accionista prejudicado fazer valer os seus direitos patrimoniais passa pela impugnação das deliberações sociais que aprovam a operação, ou seja, pela suspensão do próprio processo de fusão. E todos sabemos o que isso implica.


Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio