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Sobre os bárbaros

O resultado das eleições europeias foi e não foi o que se esperava.

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O desencanto com os políticos do momento afastou a maioria dos eleitores das mesas de voto. O protesto motivou parte substancial dos que se deram ao trabalho de votar a fazê-lo naqueles que fizessem soar alarmes nas chancelarias europeias. Os políticos moderados mostraram-se preocupados, os extremistas falaram grosso.

 

Foi assim um pouco por toda a Europa e tudo isto seria de esperar.

 

O que não se esperava, no entanto, começa numa história.

 

Nigel Farage, líder do populista UKIP, partido mais votado no Reino Unido, contava que, viajando de comboio, se apercebera que à sua volta os outros passageiros falavam entre si em diversos idiomas, nenhum deles o inglês, todos incompreensíveis para ele, manifestando que isso o incomodara.

 

A sua mulher é, no entanto, alemã e os seus filhos têm dupla nacionalidade. A língua de escolha dos três é, como Nigel admite, o alemão.

 

Há dois meses, Mohammed, nigeriano, feriu-se gravemente ao trepar, com mais duas centenas de africanos, os cerca de 7 metros de muro que separam Marrocos do território espanhol de Melilla. Fez o que fizera Ferdinand, alemão, que, em 1961, sofrera o mesmo ao passar por baixo do arame farpado que dividia Berlim em dois.

 

Fugiram. Ferdinand da ditadura, Mohammed da fome. Ferdinand refez a sua vida no Ocidente, Mohammed será expulso na primeira oportunidade.

 

Os nomes poderiam ser estes, não importa que o não sejam, mas apenas que têm nome, identidade.

 

O que os diferencia?

 

Na Antiguidade clássica, reservava-se aos povos longínquos, estranhos em costumes e em línguas o nome de bárbaros. Dotados de idiomas incompreensíveis aos ouvidos dos cidadãos gregos e depois romanos, o que diziam soava-lhes a qualquer coisa como "ba-ba", onomatopeia de que deriva aquele termo e que designava os "não civilizados".

 

Aqui se encontra o que não se esperava do resultado destas eleições.

 

Não se esperava que, milénios passados, dezenas de milhões de eleitores e um número sem precedentes de eurodeputados ainda reservassem à estranheza da língua, dos costumes, da própria cor da pele o mesmo estatuto que lhes era dado na Antiguidade. Um estatuto que condena Mohammed ao mesmo lugar e ao mesmo destino que teria num mundo sem Iluminação, nem noção de Humanidade.

 

Não se esperava que tantos cidadãos europeus pudessem partilhar com Farage a preocupação que este teria se se mudasse para a casa ao lado da sua "um conjunto de romenos". Que pudessem concordar com ele ao afirmar que não teria essa reacção se, em vez de romenos, fossem alemães, pois, como dizia à pessoa que o interrogava: "Você sabe qual é a diferença!".

 

Não se esperava que numa Europa fundadora da ideia de igualdade de cada um em dignidade e consideração tantos europeus iludissem a sua responsabilidade histórica e pudessem partilhar com Farage a mais cínica das dúvidas: "Mas, afinal, o que é o racismo?"

 

Não se esperava que o resultado das eleições impusesse a interrogação: Quem são os bárbaros, afinal?

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

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