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Setor do vinho vê regras da concorrência flexibilizadas

Segundo as estimativas do setor, por comparação ao período anterior ao referido encerramento, desde meados de março até ao final de maio de 2020 a pandemia ocasionou uma redução de cerca 30% do volume de vinho vendido e 50% do valor das respetivas vendas.

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O encerramento maciço de bares e restaurantes, decidido no contexto mais abrangente do rol de medidas de contenção da Covid-19, a par da aplicação, pelos Estados-Unidos, de novas e mais onerosas tarifas sobre as exportações europeias (em retaliação às medidas de apoio ao setor aeronáutico europeu), acarretou uma drástica redução dos níveis de consumo de vinho na União Europeia. Segundo as estimativas do setor, por comparação ao período anterior ao referido encerramento, desde meados de março até ao final de maio de 2020 a pandemia ocasionou uma redução de cerca 30% do volume de vinho vendido e 50% do valor das respetivas vendas.

Embora o consumo doméstico de alguns produtos vinícolas tenha registado um incremento significativo, o volume adicional de vendas não foi suficiente para compensar a queda da procura no setor da hotelaria e restauração. As mesmas previsões indicam que o turismo mundial, que deverá registar uma quebra de 70% do volume de negócios no segundo trimestre de 2020, também não deverá ser retomado nos próximos seis meses numa proporção bastante para compensar a falta de consumo nos restaurantes durante o período em que as maiores restrições à circulação se mantiveram em vigor.

É neste quadro de forte perturbação de mercado, previsto perdurar, pelo menos, durante o próximo semestre, e para auxiliar o relançamento económico do setor, que a Comissão tomou, recentemente, a iniciativa de adotar legislação “de exceção” visando flexibilizar a aplicação das regras de concorrência ao setor vitivinícola.

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e a generalidade das leis de concorrência dos Estados-membros da UE, proíbe acordos que tenham por objeto ou efeito a restrição da concorrência. Esta proibição abrange, por exemplo, acordos entre empresas que visem limitar os volumes produção e/ou quantidades de armazenamento de vinho, ou concertar as respetivas condições de promoção/venda. A nova legislação vem matizar este regime, e imunizar alguns acordos que, de outro modo, poderiam ser enquadráveis como restrições hard-core ao direito da concorrência, i.e. cartéis, e levar, entre outras consequências, à aplicação de coimas de elevado valor.

O chamado Regulamento da Organização Comum dos Mercados, de 2013 (o Regulamento (CE) n.º 1308/2013) previa já a possibilidade de a Comissão adotar medidas que suspendessem a aplicação do TFUE com respeito a acordos relativos a determinados setores agrícolas durante períodos de “desequilíbrio grave”, sempre que estes procurassem um objetivo último de estabilização do setor e não prejudicassem o normal funcionamento do mercado interno.

Nos termos do artigo primeiro do novo Regulamento adotado no passado dia 7 de julho (o Regulamento 2020/975), os agricultores, as associações de agricultores e as suas federações, as organizações de produtores reconhecidas e as suas associações, e as organizações interprofissionais reconhecidas (operadores) ficam autorizados a celebrar acordos relativos à produção de uvas de vinho e de vinho e a adotar decisões comuns relativas à produção de uvas de vinho e de vinho sobre a preparação e transformação, a armazenagem, a promoção conjunta, os requisitos de qualidade e o planeamento temporário da produção). Esta derrogação tem um âmbito geográfico correspondente a todo o território da UE, é válida por um período de seis meses (contados a partir de 8.07.2020), e é autorizada na condição de estes acordos de cooperação não prejudicarem o funcionamento do mercado interno e servirem “estritamente” o objetivo de estabilizar o setor vitivinícola. Ficam excluído do seu âmbito a cooperação que tenha por objeto a repartição dos mercados, a discriminação com base na nacionalidade ou a fixação de preços.

Para poderem beneficiar deste regime, os operadores do setor ficam sujeitos a uma obrigação de reporte às autoridades relevantes dos Estados-membros, incluindo as Autoridades da Concorrência, de todos os acordos que celebrem ao abrigo deste Regulamento.

Embora portador de um desígnio claramente benévolo, de promoção e relançamento económico no pós-Covid, o Regulamento antecipa um contexto de escrutínio mais próximo ao setor do vinho, em particular, em Portugal, por parte da Autoridade da Concorrência. É importante não olvidar que a prática decisória desta autoridade, à semelhança, aliás, à de outras autoridades da concorrência a nível europeu, não tem dado qualquer sinal, mesmo nesta fase pandémica, de relaxamento das suas políticas e critérios de enforcement. Muito pelo contrário, como as mais recentes notícias divulgadas pela comunicação social, e a inquirição parlamentar à presidente da Autoridade da Concorrência, o testemunham. Nesta medida, não será de interpretar esta derrogação, recorde-se temporária, como um “salvo-conduto” que imunize todo e qualquer comportamento de cooperação entre produtores – é importante que a indústria conheça e respeite o exato perímetro da legalidade permitida.

 * Advogado-coordenador na SRS Advogados

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