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Que nos diz Passos Coelho quando nos quer dizer qualquer coisinha?

A mentira, neste interregno em que vivemos, tornou-se uma espécie de carta-de-alforria, e Passos não é o único a usá-la como argumento de fé. Faz parte dessa estratégia de poder que almeja perpetuar-se.

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Há uma pergunta amável, serena e atenta que desejo fazer: Pedro Passos Coelho acredita no que diz? E adiciono outra: e que pessoas vão atrás do que diz Passos Coelho? O que ele tem falado, nestes dias e nos outros (as televisões estão sempre prontas a gravar, com obstinada teimosia e enjoo a mais pequena frase do sujeito) é de molde a deixar com espasmos no esófago o mais tenaz dos seus prosélitos. Sabe-se, por prova provada, que as suas contradições, embustes e omissões pertencem, já, ao breviário das grandes imposturas. Habituámo-nos com a rotina. Mas nem todos vão atrás desta lebre. Na festa do PSD, no Porto, o bocejo era liminar, o sorriso trocista do Marcelo era evidente, e o discurso de Francisco Pinto Balsemão, ao insistir que as raízes do partido eram sociais-democratas, antagónicas do projecto neoliberal, tudo isso revelava que começava a ser tomada como excrescência a política de Passos.


Não nos iludamos, porém. As torções à verdade, cometidas pelo primeiro-ministro com a desenvoltura que se lhe conhece, provocaram aplausos enormes. Nada de grave, se atentarmos no valor das multidões. Ortega ensinou, na "Rebelião das Massas" (ensaio marcante na minha juventude) que a relação entre renúncia e protesto tem como base a acumulação de uma grande dor: "Sob todas as vidas, na sociedade contemporânea, subjaz uma injustiça insuportável."


Creio que Passos nunca frequentou Ortega y Gasset. Faz mal. Ainda hoje, o espanhol é uma excelente leitura, porque nos obriga a reflectir para lá do que se vê e ouve. E o que se ouve, de Passos, é um chorrilho de anormalidades e de manipulações. Estamos à beira de uma catástrofe social sem precedentes, e ele assevera que Portugal, com esta política, navega no rumo certo. Gostava bem de conhecer o pensamento de Balsemão. Possuo uma razoável noção do carácter do proprietário do "Expresso." Mantive e mantenho com ele relações de amizade e estima, e sei, muito bem, o que desejava para o nosso país, o apoio às manifestações da esquerda, a simpatia que reservava para aqueles que, inclusive na clandestinidade, lutavam contra o fascismo. Pelas suas características ideológicas não poderá, em circunstância alguma, estar de acordo com Passos e que tais. E o que disse, de forma elegante, como é seu timbre, mas veemente, no aniversário do PSD, soou como uma solene advertência.


A mentira, neste interregno em que vivemos, tornou-se numa espécie de carta-de-alforria, e Passos não é o único a usá-la como argumento de fé. Faz parte dessa estratégia de poder que almeja perpetuar-se, numa Europa desprovida de sentido ético (veja-se a acção de Durão Barroso, cuja subalternidade chega a ser nojenta, e é muito considerado, por exemplo, pelo inexcedível Dr. Cavaco), e com capitulações morais das mais graves da história.


Pedro Passos Coelho, cujo olhar de peixe morto assusta o mais temerário de todos, deixou (ou nunca teve) de se comprometer com a decência política. Aprendemos, com o decorrer destes três trágicos anos, que possui uma sensibilidade de barata, não dispondo de convicções, que admira a subserviência e que está sempre disposto a sacrificar os interesses portugueses às imposições da senhora Merkel. Nada disto é novidade. Mas convém nunca esquecer a natureza deste homem: é um subalterno sem classe nem grandeza.


Um livro da nossa honra
Grandeza, convicções e coragem tiveram-nas, de sobra, as pessoas de que este livro, «No Limite da Dor [A Tortura nas Prisões da PIDE]», fala com emoção. Treze depoimentos impressionantes pela verdade que encerram, e pela dignidade de quem, submetido a provações terríveis, de suplício e de indignidade, soube manter intacta a dimensão do humano sobre a brutalidade. É a descrição do horror, numa extensão medonha. Os deponentes, vítimas de um regime inqualificável, são (mas podiam ser milhares e milhares): Aurora Rodrigues, Domingos Abrantes, Conceição Matos, Edmundo Pedro, Fernando Rosas, Georgina Azevedo, Helena Pato, Joaquim Monteiro Matias, José Luís Pinto de Sá, José Pedro Soares, Joaquim Pinto de Andrade, Luís Moita e Maria Custódia Chibante. Conheço e conheci quase todos estes seres admiráveis, que testemunham, agora, quarenta anos decorridos de Abril, o sofrimento que amargaram, praticado por outros homens - não animais: homens, outros homens. Os depoimentos, reunidos por Ana Aranha, uma jornalista do melhor que temos, e por Carlos Ademar, são compilados para que o esquecimento não seja tomado como norma. A edição é da Parsifal, animada pelo entusiasmo de Marcelo Teixeira, e contém um prefácio notabilíssimo da historiadora Irene Flunser Pimental; e um posfácio, por igual notabilíssimo, do escritor Mário de Carvalho. Pedagogia dos factos, em oposição à demagogia. Não podemos nunca esquecer ou ignorar a infâmia dos tempos salazaristas. E relembrar que o Dr. Cavaco, não concedeu a pensão de sangue, a que tinha direito, à viúva de Salgueiro Maia, atribuiu, no entanto, rendas vultosas a dezenas de pides, por "serviços distintos prestados à pátria." A responsabilidade desta ignomínia vai permanecer impune? Este livro responde pela nossa consciência. A ler e a reflectir sobre.

 

 

b.bastos@netcabo.pt

 

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