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Que lêem, estes que tais?

Que lê o dr. Pedro Passos Coelho? Alguma vez frequentou, com mão repetida e curiosa, Oliveira Martins, Lúcio de Azevedo, Oliveira Marques, Borges Coelho e as páginas que eles escreveram sobre a História de Portugal?

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A abertura da Feira do Livro de Lisboa coincidiu com a data do segundo ano em que o Executivo assumiu funções. O alarido contestatário, registado um pouco por todo o País, foi enorme, e os números da estatística e as projecções económicas deixam os portugueses cada vez mais deprimidos e desesperados. Ouvimos o que dizem os próceres governamentais, e coramos de vergonha por eles a não terem. Uma das mais descaradas afirmações pertenceu ao dr. Luís Montenegro, chefe da bancada parlamentar do PSD, que teve o descoco de reiterar que vivemos muito melhor do que há dois anos. Em normalidade democrática e com uma Imprensa que mantivesse a grande tradição de combate do jornalismo anterior ao fascismo, aquele bizarro depoimento seria objecto de escarmento e vitupério. Mas Portugal vive em interregno e aquilo que o tornaria vital está averiguadamente anestesiado.


A data, associada, por força das coisas, à reabertura da Feira do Livro levou-me a meditar na natureza cultural dos membros do Governo. Eu e os meus amigos próximos discreteámos de que massa estes homens e mulheres foram moldados e formados. Que lê o dr. Pedro Passos Coelho? Alguma vez frequentou, com mão repetida e curiosa, Oliveira Martins, Lúcio de Azevedo, Oliveira Marques, António Borges Coelho e as páginas que eles escreveram sobre a História de Portugal? A pergunta, modesta e um pouco melancólica, é extensiva a todos os governantes sem excepção. Algum deles leu António José Saraiva, Barradas de Carvalho, Bento de Jesus Caraça, Óscar Lopes, ou Aquilino Ribeiro, Tomaz de Figueiredo, Branquinho da Fonseca, Domingos Monteiro, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira, Manuel Mendes, José Rodrigues Miguéis, Flausino Torres, Mário Dionísio, Egito Gonçalves, Luís Veiga Leitão, Eugénio de Andrade?


Qualquer dos que tais alguma vez ouviu falar da Escola de Matemática de Lisboa, perseguida por Salazar?, ou das dezenas de professores, afastados dos cargos por ordem directa do ditador, porque haviam assinado as listas da Oposição? Que ideia de cultura fazem eles, e da importância do cinema português, da grandeza dos nossos actores, da coragem inaudita dos nossos escultores, pintores, escritores?


Sem ser aqueles jornalistas que os adulam, dos comentadores que os lisonjeiam, qual o entendimento que fazem dos que estão "do outro lado", a não ser exercer pressões junto dos patrões e dos directores? Se procedêssemos a uma vulgar sabatina a quem nos governa, ficaríamos espavoridos com o grau de incultura e ignorância de eles, os que tais. O mesmo se poderá aplicar ao dr. Cavaco, cuja noção das mais elementares formações do conhecimento atinge o grau zero. Basta lembrar que não sabia o número de cantos de "Os Lusíadas"; ou a confusão abstrusa entre Thomas Mann e Thomas More para adquirirmos a dimensão cultural do senhor.


Temos a fatalidade de sermos governados por esta gente, e a grandeza de possuirmos, desde sempre, escritores, cientistas, artistas, actores, investigadores do melhor que há. Perseguidos, homiziados, esquecidos deliberadamente, omitidos por motivos políticos, nem por isso deixaram ou têm deixado de praticar as suas profissões e ofícios com a grandeza. Não queria deixar que estas reflexões passassem em claro.


Uma grande escritora: Teolinda Gersão

Vem a propósito falar de uma grande escritora portuguesa, cuja discrição e modéstia é proporcional ao seu imenso talento. Teolinda Gersão é uma das duas ou três (não mais) prosadoras cuja leitura nunca deixa de me surpreender, pela qualidade da forma e pela natureza do conteúdo. Segue, à sua maneira pessoal, a tradição de Irene Lisboa ou de Maria Judite de Carvalho. E nunca por nunca ser vende gato por lebre. Os seus livros constituem o resultado de um trabalho vocacional que nada se compromete com a publicidade e o marquetingue. Ora bem: acabo de ler, com o aprazimento que uma prosa destas me provoca, "As Águas Livres", segundo tomo, digamos assim, dos "cadernos" da escritora. São reflexões e meditações da vida quotidiana, por quem tem pelos outros uma atenção vigilante e amável. E, também, pequenas histórias de emoções, pensamentos ternos, afectos e cordialidades. Um deles: "Anoto os sonhos. Mas sei que, se não avançar no meu caminho, a escrita não nasce nem os sonhos mudam."

 


b.bastos@netcabo.pt

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