Opinião
Para além dos benefícios fiscais em vigor - que futuro?
Sendo bem acolhida a prorrogação de benefícios fiscais agora operada, urge uma planificação concertada, a médio e longo prazo, e bem para além dos remendos pandémicos e pós-pandémicos.
A aguardada publicação daquela que veio a ser a Lei n.º 21/2021, de 21 de abril, não trouxe surpresas ao prorrogar a vigência de vários benefícios fiscais previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), e tornou urgente uma reflexão sobre o futuro desta temática impactante na receita fiscal, no contexto da tão desejada recuperação económica de Portugal, ainda longe sequer de um rescaldo da pandemia.
O EBF estabelece que as normas que consagram os benefícios fiscais vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário. A sujeição a um regime de caducidade justifica a necessidade - e a importância - da prorrogação dos benefícios fiscais nele previstos, ainda que seja hoje ponto assente, na sequência de despacho de 2017 do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que esta caducidade em específico seja suscetível de ser renovada por novo período de cinco anos através de modificações legislativas introduzidas às disposições do EBF.
A Lei n.º 21/2021 retira à regra de caducidade - fundamentada por relatório do Governo - os benefícios fiscais concedidos aos rendimentos pagos por Organismos de Investimento Coletivo, para proteção aos investidores e porventura incentivo à aplicação das suas crescentes poupanças (dados oficiais preveem, contudo, a inversão no comportamento de poupança já em 2022). Ficam igualmente salvaguardados os benefícios fiscais ao mecenato cultural, por motivos óbvios.
Os benefícios fiscais contratuais e o regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) são prorrogados até 31 de dezembro de 2021, ainda que a expectativa fosse de não tão curto prazo - pelo menos até 2023 - como chegou a constar de versão embrionária do diploma.
Previsível o CINM, surpreende a efemeridade do regime contratual. O regime do CINM está há anos envolto em polémica nacional e recentemente sob os holofotes da Comissão Europeia no contexto dos auxílios de Estado, sendo imprevisível o desfecho do processo em curso, entretanto contestado por Portugal. A prorrogação do prazo de emissão de licenças apenas até ao final de 2021, aliada à introdução de requisitos que reduzem o seu efeito prático, podem ditar o requiem de um regime que fica aquém de outros regimes em vigor na União Europeia, e que têm o aval da Comissão Europeia e o apoio nacional dos respetivos Estados. Já a precariedade dos benefícios fiscais contratuais escapa à compreensão - pelo menos, sem que se saiba de intenções sobre a sua renovação a breve prazo. Sujeitos a regras estritas no contexto dos compromissos europeus assumidos por Portugal, estão em causa projetos estruturantes de relevo para a economia nacional, a serem desenvolvidos por empresas nacionais, mas também capazes de atrair investimento estrangeiro em setores críticos e não precários, como aqueles em que Portugal se alicerçou nos últimos anos e que tão rápida e fortemente colapsaram com a imobilização internacional e fecho de fronteiras.
Enquanto a vigência de alguns benefícios fiscais foi prorrogada para 2025, quer agora com a Lei n.º 21/2021, quer por alterações legislativas antes introduzidas - se bem que os mais relevantes parecem sobretudo beneficiar operações com entidades não residentes e no contexto da salvaguarda da dívida pública nacional -, outros caducam já em 2021, outros em 2022 e 2023. Exceto se vierem a ser prorrogados anualmente, o que acaba por prolongar a precariedade e a ausência de soluções de consolidação a médio prazo.
Sem serem conhecidas, na presente data, e tanto quanto é do nosso conhecimento, as conclusões da nova avaliação dos benefícios fiscais prevista na Lei do Orçamento do Estado para 2020, a Lei n.º 21/2021, por omissão, vem operar a caducidade de benefícios fiscais à partilha de viaturas e velocípedes, à aquisição de velocípedes e a redução do imposto municipal sobre o património para prédios energeticamente eficientes. Todos estes benefícios fiscais seriam tendencialmente potenciadores de comportamentos sustentáveis (ESG, agora componente obrigatória no governo das sociedades), no contexto do pacto ecológico europeu, com a emergência da redução das emissões de gases, mas também no contexto do dispêndio com infraestruturas impulsionadoras de mobilidades sustentáveis, num ano em que se introduziu uma taxa de carbono sobre viagens aéreas e marítimas e se prevê para 2022 a introdução de uma taxa sobre embalagens não reutilizáveis.
Sendo bem acolhida a prorrogação de benefícios fiscais agora operada, urge uma planificação concertada, a médio e longo prazo, e bem para além dos remendos pandémicos e pós-pandémicos, que venha não só criar certezas nos investidores, nacionais e estrangeiros, privados e empresariais, com o estabelecimento de benefícios fiscais que vigorem por período suficientemente longo, bem como o recuperar de regimes entretanto caducados, mas cujo retorno impera no contexto atual de sustentabilidade.