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Objetivo: manter R0<1 enquanto relançamos a economia

Está na altura de recolher todas as ideias para controlar a epidemia de uma maneira que permita a retoma económica. Tenho a certeza de que, com tanta gente criativa à nossa volta, com vontade de contribuir para resolver a crise nacional, não vão faltar boas ideias.

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A dinâmica das epidemias é governada por um número simples, o número básico de reprodução R0, isto é, o número médio de pessoas que cada infetado contagia por sua vez. Se R0 for menor que 1, a epidemia tende a desaparecer. Enquanto for maior que 1, a epidemia não para de crescer.


Infelizmente, no caso da Covid-19, o valor de R0 é muito alto, da ordem de 2.5. Daí o crescimento exponencial da infeção na fase inicial que se observa por todo o mundo.


Para tentar reduzir o coeficiente R0, Portugal, tal como muitos outros países, decretou um conjunto de regras severas de afastamento social, uma quarentena ou lockdown. A ideia é simples, se estivermos todos em casa, não há forma de transmitir o vírus. No limite, se conseguíssemos manter o afastamento completo, R0 seria igual a zero. A quarentena imposta nesta fase inicial da epidemia é particularmente importante para não ultrapassar a capacidade de atendimento em cuidados intensivos exigida para uma pequena percentagem de casos muito graves. Felizmente, os resultados da progressão da epidemia no nosso país são animadores até à data, validando a quarentena imposta.

Infelizmente, é de prever que esta quarentena tenha efeitos devastadores na economia. Nos Estados Unidos vimos 10 milhões de novos desempregados nas últimas duas semanas. Não temos ainda estatísticas para medir o efeito da epidemia na economia Portuguesa, mas tudo leva a supor que seja igualmente catastrófico, com previsões de uma recessão bem pior do que a de 2012. Não se pense que, quando me preocupo com a economia, esteja a falar apenas de euros ou da bolsa. Uma recessão tem um custo muito grande em vidas humanas – o livro "Deaths of Despair" de Anne Case e Angus Deaton (Prémio Nobel da Economia de 2015) mostra como o desespero económico reduz significativamente a esperança de vida por drogas, alcoolismo e suicídio.


Não é assim possível manter a economia fechada durante muito mais tempo e urge começar já a pensar na próxima batalha, o período pós-quarentena. A questão que se põe é como relançar a economia após o lockdown, numa altura em que o vírus não tenha desaparecido completamente e enquanto uma grande percentagem da população continue suscetível à infeção?


Penso que a simples regra R0<1 ajuda muito a pensar nas medidas que devemos implementar pós-quarentena. O aspeto crítico é que não precisamos que R0 seja igual a 0 para extinguir a epidemia, basta que seja menor que um. Nesse sentido não precisamos de medidas perfeitas que eliminem totalmente o contágio, mas sim de um conjunto de medidas que mantenham R0<1.


Por exemplo, temos ouvido mil vezes que a chave para controlar a epidemia é testar, testar, testar. Obviamente, se fôssemos capazes de testar toda a gente de manhã antes de sair para o trabalho, acabávamos com a epidemia num instante: quem testasse positivo ficava em casa. O problema é que não há testes suficientes e são muito caros pelo que esta solução possa ser aplicada na prática. Mas há uma solução básica que é fácil de aplicar: com um termómetro, podemos ver se temos febre e, nesse caso, ficar em casa. É certo que é um teste muito imperfeito. Mas contribui para baixar R0. E, lembremo-nos que não temos que levar o coeficiente para zero, mas apenas mantê-lo abaixo de 1. Esta medida isoladamente não chega. Mas ajuda! 


Neste sentido, o engenho humano pode dar um enorme contributo. Recentemente, Christian Gollier e Olivier Gossner sugeriram um processo para testar pessoas em grupo, poupando testes escassos, como forma de autorizar pessoas para saírem de casas para trabalhar.


Temos falado muitas vezes da eficácia da utilização de máscaras e luvas pela população. Não sei nada de máscaras PFF1 ou PFF3, mas tenho a certeza que um simples lenço amarrado à volta da cabeça ajuda. Não impede completamente a transmissão. Mas contribui para manter R0<1.


De igual forma, devemos continuar o esforço de limpeza e desinfeção de espaços públicos, manter a proibição de grandes ajuntamentos e algumas medidas de afastamento social que não sejam demasiado destrutivas da atividade económica. Não são completamente eficazes, é certo. Mas ajudam!


Apps para smartphones também podem ajudar muito para fazer o contact tracing e manter pessoas em quarentena seletiva. Aqui há que tentar encontrar um equilíbrio razoável entre a privacidade de cada um e o benefício coletivo, mas não tenho dúvidas que pode haver grandes contributos da tecnologia para o controlo da epidemia.

 

Não precisamos de medidas perfeitas que eliminem totalmente o contágio, mas sim de um conjunto de medidas que mantenham R_0<1.

Também podem surgir muitas ideias da análise de dados da epidemia. Preocupa-me que não tenha havido ainda uma partilha de dados anonimizados para a comunidade científica poder pôr os seus talentos ao serviço da sociedade.
 

Repito: cada uma destas medidas não tem que ser eficaz por si só, basta que, em conjunto, contribuam para manter R0 abaixo de 1 e a epidemia desaparece.

Obviamente, enquanto não houver uma vacina ou tratamento da doença, temos que manter o lockdown dos mais vulneráveis da população, os mais idosos e os que têm doenças crónicas. 


Assistimos recentemente à mobilização dos cientistas e das empresas tecnológicas nacionais para a produção de desinfetantes, máscaras e até mesmo ventiladores. Está na altura de recolher todas as ideias para controlar a epidemia de uma maneira que permita a retoma económica. Tenho a certeza que, com tanta gente criativa à nossa volta, com vontade de contribuir para resolver a crise nacional, não vão faltar boas ideias. 

 

Todos podem ajudar!

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