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O desafio da legitimidade

No caso das eleições europeias, o valor da abstenção não surpreendeu porque já todos o antecipávamos, mas não deixa de ser grave que 2/3 dos eleitores portugueses não votem!

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Ainda me recordo da primeira vez que votei e da sensação especial de participar numa tomada de decisão coletiva (uma nota importante: os meus pais sempre me incutiram a importância do ato de votar). Claro que cedo percebi que não seria o meu voto, individualmente considerado, a fazer uma diferença substancial, e por isso nem me recordo se votei em quem venceu ou em quem perdeu... Mas de uma coisa sabia, que agora comprovei nas eleições europeias: que de cada vez que nos rendemos à indiferença perante a política damos espaço aos extremos e às más decisões, e somos coniventes com o afastamento entre políticos e cidadãos.

 

No caso das eleições europeias, o valor da abstenção não surpreendeu porque já todos o antecipávamos, mas não deixa de ser grave que 2/3 dos eleitores portugueses não votem! Ainda assim, há um ponto a assinalar em nosso favor: se é verdade que a abstenção permitiu um maior peso relativo de alguns partidos com voto militante (ex. a CDU), nem por isso nos sucedeu o mesmo que noutros países europeus, em que o voto foi canalizado para partidos extremistas, ainda que de predominância ideológica muito variada, mas invariavelmente contestatários (sabe-se lá bem do quê) e adversários da integração europeia.

 

Ora, se associarmos a esta abstenção elevada o facto de o Parlamento Europeu se encontrar agora sem uma maioria política clara e polarizado entre grupos políticos que não procuram o consenso, facilmente antevemos que os próximos 5 anos serão um desafio perigoso para o reconhecimento do Parlamento Europeu como grande espaço de discussão política. É verdade que nunca na sua história conseguiu ser reconhecido pelo eleitorado como o "seu" parlamento; mas a fragmentação política que se verificou neste processo eleitoral permite antecipar que muitas discussões ficarão agendadas para as calendas gregas (ex. o acordo comercial com os EUA); que muitos projetos serão aprovados pelos mínimos olímpicos; e que certamente o quotidiano do Parlamento Europeu será mais histriónico — e por isso irrelevante para o futuro da Europa e dos seus cidadãos. Se do ponto de vista jurídico a legitimidade democrática do Parlamento Europeu é clara, sociologicamente ela desfaz-se quando a participação eleitoral é tão reduzida, quando o trabalho dos deputados é diminuído e a atenção dos cidadãos é escassa...

 

É claro que a Europa já passou por crises bastante piores e sobreviveu; e é também certo que muito do que se critica no trabalho do Parlamento Europeu também pode ser reproduzido à escala nacional (onde por vezes há maior fragmentação e se trabalha bastante pior). A diferença é que os parlamentos nacionais continuam a ser "nossos" (mesmo quando os maldizemos), ao passo que o Parlamento Europeu continua a ser um corpo estranho aos cidadãos. Por isso é que, em face dos resultados eleitorais, o próximo desafio é não afastar ainda mais os cidadãos de Estrasburgo, e manter a crença de que a ideia de "Europa" continua a ser a nossa melhor invenção.

 

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