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O Código da Atividade Bancária: uma reforma indispensável

De 29 de outubro a 4 de dezembro, o Anteprojeto de Código da Atividade Bancária está em consulta pública, no sítio do Banco de Portugal, de modo a recolher contributos que possam enriquecê-lo e contribuir para o seu avanço, não sendo, como é óbvio, um projeto finalizado.

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O quadro jurídico fundamental que rege a atividade bancária encontra-se, ainda hoje, previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado em 1992. À época, foi um importante contributo para a modernização do nosso sistema financeiro, fazendo-o acertar o passo com o processo de integração europeia, então na fase inicial da construção do mercado único bancário.

Quando foi criado, o RGICSF era um diploma bem estruturado, mas hoje é uma demonstração cabal de como a legislação pode envelhecer mal. Desde a sua entrada em vigor, em 1 de janeiro de 1993, o RGICSF foi já objeto de cinquenta e três (!) alterações (quase duas por ano de vigência, portanto), sendo hoje uma manta de retalhos, sem estrutura que lhe dê coerência, de uma complexidade que compromete a sua função, de leitura difícil, mesmo para os peritos, muitas vezes a roçar a ininteligibilidade. Paradoxalmente, e apesar de tantas alterações, o RGICSF é hoje um diploma tão desatualizado que nem sequer está adaptado, por exemplo, às modificações decorrentes da entrada em vigor do mecanismo único de supervisão, em novembro de 2014, no contexto da união bancária europeia.

Em boa verdade, não era sequer razoável esperar que pudesse ter acomodado com êxito as sucessivas revoluções da atividade bancária e da sua regulação, bem como do respetivo enquadramento institucional, ocorridas desde 1992, tão intensas e profundas que foram.

É, pois, indispensável substituir o RGICSF por uma legislação à altura das necessidades atuais, à beira de entrarmos na terceira década do século XXI.

Consciente do seu papel insubstituível nesta matéria e dos seus deveres perante a comunidade, o Banco de Portugal mobilizou-se para pôr à disposição do país e, em particular, dos responsáveis pela função legislativa, um Anteprojeto de Código da Atividade Bancária que, se aprovado, substituirá o RGICSF e, além disso, assegura a transposição e a implementação de vários instrumentos legislativos de direito europeu, que compõem o chamado “banking package”.

Foi uma tarefa árdua, que levou vários anos, e que convocou o melhor de muitos colaboradores do Banco de Portugal. Naturalmente, houve articulação com o Governo, nesta e na anterior legislatura, e com os outros reguladores e supervisores do setor financeiro: a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões.

De 29 de outubro a 4 de dezembro, o Anteprojeto de Código da Atividade Bancária está em consulta pública, no sítio do Banco de Portugal, de modo a recolher contributos que possam enriquecê-lo e contribuir para o seu avanço, não sendo, como é óbvio, um projeto finalizado.

No espaço adequado a um artigo de jornal, não é possível expor as alterações que o anteprojeto contém relativamente ao RGICSF. Sublinharia, contudo, três aspetos estruturantes: (i) uma nova sistemática, que toma por modelo o ciclo de vida das instituições a que se aplica e que está construída de modo a salvaguardar, na maior medida possível, a estabilidade normativa do Código, designadamente remetendo aspetos de índole mais técnica para o poder regulamentar do Banco de Portugal; (ii) a previsão de uma norma de articulação de competências, que explicita o quadro europeu em que o Banco de Portugal exerce os seus poderes; e (iii) a reformulação do regime aplicável à cultura organizacional, governo societário e gestão de conflitos de interesses no seio da atividade bancária, reforçando o necessário alinhamento do mercado nacional pelo “benchmarking” internacional e acolhendo múltiplas recomendações oriundas, nos últimos anos, de comissões parlamentares de inquérito sobre o setor financeiro português.

Diz-se muitas vezes que as reformas não se fazem por decreto. Mas julgo que ninguém negará que uma legislação de qualidade é um fator crítico para o bom desempenho deste setor fundamental da economia portuguesa, pelo que, nesta oportunidade, só posso formular votos de que a consulta pública do Anteprojeto de Código da Atividade Bancária contribua para a concretização desta importantíssima reforma regulatória há muito aguardada.

 

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