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"No taxation without compensation!"

Tal como fizeram os colonos americanos quando clamaram contra os dislates tributários da Coroa britânica e se vê de novo em cartazes eleitorais, talvez seja tempo de exigir: “no taxation without (true) compensation!”

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Nesta Idade Média do Contribuinte em que vamos submergindo mais e mais, não haverá muitos afloramentos tão característicos da "manus longa" do Estado totalitário-fiscal quanto a do instituto da compensação de créditos fiscais. A compensação de créditos, na sua raiz civilística, é um daqueles regimes legais tão intuitivos e, na sua essência, tão justos e consensuais que não carece de consagração legal para granjear reconhecimento universal. De facto, é inteiramente equitativo e de senso comum que, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas possa livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e as duas obrigações tenham por objecto dinheiro ou coisas fungíveis afins (artigo 847º do Código Civil). E tanto mais inquestionável será o direito à compensação quanto menos contestável for o direito de crédito a compensar, como é caso paradigmático o do crédito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado. Ora, isto observa-se no território neutro das relações interpessoais entre os cidadãos, mas não passa de uma quimera no mundo desigual das relações fiscais. Na verdade, a confirmação de um crédito fiscal por uma decisão de um tribunal de nada serve, "per se", para investir o sujeito passivo no direito de compensar esse crédito com dívidas que surgem todos os meses, como por exemplo acontece com o IVA das empresas. Assim, o princípio geral da compensação fiscal é o de que só pode ser efectuada mediante pedido ao dirigente máximo da administração tributária (!), quando a administração tributária esteja impedida de o fazer por sua iniciativa (artigo 90º do Código do Procedimento e Processo Tributário).  

 

Não cabendo aqui dissecar este regime, interessa-nos sobretudo sublinhar a profunda contradição que encerra, da perspectiva da comparação dos interesses em jogo. Repare-se: os contribuintes já se confrontam como uma presunção de facto de que devem um imposto com o qual não concordam quando recebem uma liquidação tributária, pois só podem suspender a sua execução se contra ela reagirem e apresentarem garantia idónea (que há de cobrir não só o imposto como também um acrescido de 25% para caucionar eventuais juros compensatórios). Este corolário i"n dubio pro fiscum", que não se filia em qualquer princípio constitucional ou legal, é uma evidente cedência ao princípio da eficácia da cobrança da receita fiscal e, na era dos direitos sociais de segunda e terceira geração, tem de se aceitar. O que não se compreende é que, numa altura em que os contribuintes são chamados, como verdadeiros órgãos da administração tributária, a realizar as tarefas fiscais mais intrincadas (preenchimento e cálculo de declarações fiscais complexas, cumprimento de obrigações em matéria de preços de transferência, etc.), já não se lhes reconheça competência para computar o seu crédito em resultado de uma decisão judicial definitiva, e, por sua iniciativa e eventual comunicação à administração tributária, compensar quaisquer obrigações fiscais pecuniárias com esse crédito, sobretudo quando, em muitos casos, o respectivo pagamento tarda em chegar ou esbarra em pretextos insignificantes. Ou seja, ali o contribuinte é um ente de rara competência e diligência, mas aqui acha-se ainda na primeira infância.

 

Não podemos, pois, estar mais afastados da essência do contrato social numa matéria que é, ao mesmo tempo, tão despicienda do ponto de vista da receita (posto que as decisões judiciais terão sempre de ser executadas e os reembolsos em mora vencem juros) e tão importante do ponto de vista simbólico. Por isso, tal como fizeram os colonos americanos quando clamaram contra os dislates tributários da Coroa britânica e se vê de novo em cartazes eleitorais, talvez seja tempo de exigir: "no taxation without (true) compensation!"

Advogado fiscalista

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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