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08 de Abril de 2020 às 08:50

Lay-off simplificado: empresas podem pagar mais de 2/3 do salário

Em termos sistemáticos, faz parte do sistema de valores do direito do trabalho a possibilidade de o empregador poder ir para além do que está previsto na lei, em benefício do trabalhador.

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Tem-se colocado a seguinte questão: podem as empresas que aderem ao lay-off simplificado pagar aos trabalhadores abrangidos mais do que 2/3 da sua retribuição?

Em minha opinião, podem. E há vários argumentos que apontam nesse sentido.

Desde logo, a letra da lei.

Nos termos da lei, durante o período de redução ou suspensão, o trabalhador tem direito a auferir mensalmente um montante mínimo igual a 2/3 da sua retribuição normal ilíquida (artigo 305.º, n.º 1, do Código do Trabalho). A lei refere-se, portanto, a um “montante mínimo”. Trata-se, pois, de uma norma imperativa mínima.

Mais tarde, a propósito da compensação que é devida, a lei diz que o trabalhador tem direito a compensação na medida do necessário para assegurar o citado montante mínimo, até ao triplo da retribuição mensal mínima garantida (RMMG). Essa compensação é paga em 30% pelo empregador e em 70% pela Segurança Social.

A articulação dos dois citados preceitos faz-se, portanto, desta forma:

a) Durante o lay-off, o trabalhador tem direito a um montante mínimo igual a 2/3 da sua retribuição normal ilíquida, até ao triplo da RMMG; ou seja, o empregador não está obrigado a pagar mais do que isso;

b) O facto de o empregador não estar obrigado a pagar mais não significa, todavia, que esteja proibido de pagar mais ao trabalhador; querendo, pode fazê-lo, por sua própria conta e risco.

A possibilidade de o empregador poder pagar mais retira-se também dos elementos sistemático e teleológico da interpretação, nos termos do artigo 9.º do Código Civil.

Em termos sistemáticos, faz parte do sistema de valores do direito do trabalho a possibilidade de o empregador poder ir para além do que está previsto na lei, em benefício do trabalhador.

Por regra, o empregador pode sempre garantir ao trabalhador um tratamento mais favorável do que o que resulta da lei (artigo 3.º do Código do Trabalho).

O próprio conceito de RMMG aponta nesse mesmo sentido: o trabalhador tem direito a um montante mínimo anualmente fixado, mas o empregador, querendo, pode obviamente pagar mais do que esse valor.

Mesmo a propósito do regime da redução ou suspensão, a possibilidade de o empregador poder pagar mais ao trabalhador resulta, também (“a contrario sensu”), do artigo 303.º do Código do Trabalho, que nos diz o que é que o empregador não pode fazer durante o lay-off.

Ora, a este propósito, a lei diz-nos que durante o lay-off o empregador não pode distribuir lucros, nem aumentar a retribuição dos membros de corpos sociais. A lei não diz que o empregador não pode pagar mais aos trabalhadores. Pelo contrário, admite tacitamente que o pode fazer.

Poder-se-ia dizer que esta conclusão não é consentânea com o conceito de crise empresarial. Ou seja, se o empregador está em crise, não pode pagar mais do que 2/3. E se paga mais do que 2/3, é porque não está em crise.

Salvo melhor opinião, é um falso argumento, que confunde os planos da discussão.

Saber se o empregador está ou não em crise, é algo que se resolve a montante, aquando da concessão dos apoios. E que se comprova a jusante, em sede de fiscalização.

Resolvida essa questão e admitindo que o empregador está de facto em crise empresarial, nada o proíbe de pagar mais aos trabalhadores. Nada o proíbe, por exemplo, de utilizar uma reserva que tinha para distribuir dividendos aos acionistas e canalizá-la para os trabalhadores, de forma a evitar que estes passem por dificuldades durante o lay-off.

 

Nada o proíbe, por exemplo, de utilizar uma reserva que tinha para distribuir dividendos aos acionistas e canalizá-la para os trabalhadores.


Mais: o conceito de crise empresarial que resulta do novo Decreto-Lei n.º 10-G/2020 nem sequer coincide com o conceito de crise que resulta do artigo 298.º do Código do Trabalho. O novo regime dispensa o requisito de que o lay-off tem de ser indispensável para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho. Basta que se verifiquem os requisitos (objetivos) previstos no artigo 3.º desse diploma para que haja crise empresarial.

Em suma: durante o lay-off, o empregador só está obrigado a pagar 2/3 da retribuição do trabalhador, até ao limite de 3 RMMG; todavia, querendo, pode pagar mais, em nome da responsabilidade social das empresas.

Os trabalhadores agradecem.

E a economia também.

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