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Futuro sistema de depósito obrigatório e as tensões no seu desenho

A partir de 1 de janeiro de 2022, de acordo com a lei aprovada no Parlamento em 2019, as embalagens de bebidas de utilização únicas, descartáveis, passarão a pagar um depósito, a antiga tara ou vasilhame, sendo este valor devolvido ao consumidor através de uma rede de “reverse vending machines” que será instalada no país.

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Nada disto é novo ou diferente do que há mais de 20 anos em Portugal era a rotina, mas no caso das embalagens reutilizáveis. Hoje ainda existem, mas nessa altura era comum irmos ao café ou ao supermercado e devolvermos e ficarmos com um talão ou recebíamos o valor de imediato. A lógica é a mesma, mas aplica-se, neste caso, às embalagens de bebidas descartáveis ou de utilização única.

Em cerca de 10 países, este sistema de depósito já está em vigor com resultados muito significativos a nível das taxas de recolha: mais de 85%. Número aliás em linha com aquilo que são os objetivos europeus para 2029 como, por exemplo, no caso das embalagens de água de plástico. Ou seja trata-se de um sistema testado, com vários anos de experiência em alguns países, a chegar a Portugal e que, naturalmente, está a ser fonte de tensões entre as diferentes partes interessadas: governo, que terá a responsabilidade por definir as regras do sistema a nível de fluxos operacionais e fluxos financeiros e algumas das suas principais variáveis; empresas, que colocam as marcas no mercado e que têm a responsabilidade pela gestão do resíduo; municípios detentores da exclusividade de recolha dos resíduos urbanos; indústria de reciclagem com um potencial acesso a matéria-prima em maior quantidade e com maior qualidade.

Destaco aqui três das principais tensões (não por ordem de importância). Em primeiro lugar, que materiais de embalagem incluir no sistema? A Lei n.º 69/2018 define que serão o metal, plástico e vidro. Existe neste momento consenso para os três? Não, apenas para os dois primeiros. Sabendo que a inclusão do vidro tem prós e contras e que certamente nem todas as embalagens deste material deverão fazer parte do sistema, a reflexão que deverá ser feita é de que forma Portugal vai atingir as metas de reciclagem do vidro de 75% em 2030 quando as de 2011, 60%, não foram alcançadas e continuamos a não conseguir chegar aos 55%? Que fórmula mágica irá levar a que daqui até 2030 os atuais vidrões irão ficar cheios de material que tanta falta faz à indústria vidreira, mesmo que haja uma aposta nas embalagens de vidro reutilizável no futuro?

Em segundo lugar, o valor de depósito, dado este ser uma das variáveis mais determinante para o sucesso do sistema a nível de taxas de deposição. Tendo em conta notícias recentes relativas ao estudo realizado, o intervalo deverá ser entre os 0,05 e 0,15 cêntimos. Porém, quando comparamos com outros sistemas em outros países, os valores mínimos são superiores ao que está a ser proposto. Qual deverá ser o racional de fixação do valor? Garantir que este não é superior ao valor dos produtos certamente será um deles (conseguimos encontrar no mercado marcas de água com um preço de venda ao público abaixo de 0,15€)? Ou deverá ser um valor que faz com que o consumidor se desloque a uma das máquinas para ser ressarcido do valor de depósito permitindo que por exemplo a taxa de recolha de PET, em 2029, seja de 90% e, em 2030, a incorporação deste material reciclado seja de 30% cumprindo-se as metas europeias? Ou deverá ser o poder de compra nacional que deverá ser a base? Ou aquilo que as empresas que colocam bebidas no mercado terão de pagar ao sistema para que este seja sustentável caso o valor de depósito seja demasiado baixo? Ou um pouco de tudo? De acordo com a prática em outros países, quanto maior o valor, maior o desempenho do sistema em termos de taxa de devolução.

Em terceiro lugar, o papel dos municípios no novo sistema de depósito dada a sua exclusividade da recolha dos resíduos urbanos e o impacto deste novo sistema na atual equação financeira relativa ao sistema de recolha seletiva assente nos ecopontos e recolha porta a porta. Relativamente a este último aspeto, a partir do momento em que entre em funcionamento o novo sistema de depósito obrigatório, o ecoponto amarelo deixará de receber uma grande fatia dos resíduos de embalagens de bebidas de plástico e metal e o ecoponto verde também com uma redução do vidro depositado caso se confirme que este material seja incluído no futuro sistema de depósito obrigatório. O SIGRE (Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem) ficará menos eficiente e mais oneroso para a gestão das embalagens, de bebidas ou não, que permanecerem no sistema tradicional de recolha assente nos ecopontos e porta a porta?

É com grande expectativa que os diferentes agentes económicos aguardam as decisões que irão ser tomadas. A experiência diz-nos que, em negociações semelhantes, consensos para todas as tensões acima elencadas, e outras existentes, serão difíceis de alcançar a 100%. No entanto, qualquer que seja a decisão final há que garantir um sistema eficaz, eficiente, com ganhos ambientais e sustentável do ponto de vista financeiro, não esquecendo também quem irá mais uma vez ter um papel determinante para o sucesso e cumprimento dos objetivos nacionais: o consumidor. Aquele que deverá continuar a separar os seus resíduos e encaminhá-los através das diferentes opções de recolha: ecopontos, porta a porta e, futuramente, os equipamentos do sistema de depósito obrigatório. Tudo isto na promoção de um sistema de gestão equilibrado, justo e sustentável, contribuindo para que Portugal cumpra as metas europeias de reciclagem contribuindo também para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12: consumo e produção responsáveis.

 

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