(UMA HISTÓRIA INSPIRADA NA OBRA LITERÁRIA DE MARINHO PINTO)

Num quarto de criança, numa cama de grades, está um bebé rodeado de brinquedos; quase tudo brinquedos de miúda, excepto: um Action Man, uma pistola e uma bola de futebol. O bebé está a brincar com o Action Man.

Entra o PAI/CARLOS

CARLOS: …como está o meu filhote?

O bebé abana o Action Man na direcção do pai e finge que está a dar tiros.

CARLOS: Ai, valha-me Deus! (grita para fora) Zé Pedro, chega cá depressa! Olha o que o nosso filho está a fazer.

Entra ZÉ PEDRO

ZÉ PEDRO: O que é que aconteceu, querido?

CARLOS: Olha para o nosso Jorge.

ZÉ PEDRO (fazendo um festa no miúdo): O que é que tem o nosso boy Jorge?

CARLOS: Olha para ele, Zé Pedro. Com tanta boneca linda, está a brincar com um Action Man.

ZÉ PEDRO (recuando assustado): Tem calma, Carlos. Pode ser que ele esteja a tentar despi-lo….

O bebé brinca com o Action Man de forma ainda mais violenta, dá tiros e chutos nas bonecas.

CARLOS: Estás a ver como ele não está a tentar despi-lo?

ZÉ PEDRO: Põe-lhe a caixa de música a ver se ele acalma.

Carlos puxa o fio de uma caixa de música para crianças e começa a ouvir-se a música "I´m what i'am". O bebé começa aos chutos a uma bola.

ZÉ PEDRO (chocado): Valha-me Santa Barbara Streisand. Ele está a jogar à bola …com os pés!

CARLOS: Que horror, Zé Pedro! Onde é que ele foi buscar isto? À minha família não foi de certeza, que na minha família não há heterossexuais.

ZÉ PEDRO: Ai não... O teu Tio Álvaro por acaso não era, não.

CARLOS: Fica sabendo que o meu Tio Álvaro tinha uma loja no Bairro Alto.

ZÉ PEDRO: Isso era só para disfarçar. Além do mais, não era uma loja, nem sequer uma galeria de arte, era uma mercearia.

CARLOS: Estás a ser injusto! Não era uma mercearia, era uma loja de produtos de agricultura biológica.

ZÉ PEDRO: …tinha bacalhau.

CARLOS: …porque era típico, e fazia parte de um abajur que veio da Noruega.

De repente, o bebé larga tudo e pára.

ZÉ PEDRO: Tem calma, Carlos. Não nos vamos zangar em frente ao miúdo sem ser vestidos de cabedal. Parece que já está a acalmar.

O bebé hesita entre os vários brinquedos e escolhe uma boneca...

CARLOS (feliz): Olha, Zé Pedro, o nosso Jorge está a brincar com a Cindy. Também é a minha favorita.

ZÉ PEDRO: Afinal não é nada. Já passou. Se calhar foi alguma coisa que ele comeu. Já te disse para não lhe dares rojões. Ele precisa é de tofu e de batidos de coisas com casca.

O bebé começa a fazer festas no cabelo da boneca e depois começa a despi-la e a apalpá-la.

CARLOS: Ai!!! Que nojo! Olha o que ele está a fazer.

ZÉ PEDRO: Que horror! É melhor tirar-lhe a boneca.

Zé Pedro tira a boneca ao bebé. Recua de imediato e ficam os dois a olhar para o miúdo que está com ar chateado quase a chorar. O bebé começa a tremer o beicinho e abre a boca num pranto.

CARLOS (ainda a medo) : Chorar é bom. Mostra que ele é sensível.

O bebé começa a ter uma fúria e desata a atirar todos os bonecos pelo ar.

ZÉ PEDRO: Está a ficar histérica! Se calhar, devíamos ter adoptado o pretito em vez deste.

CARLOS: Já falámos sobre isso. O pretito ficava mal com o papel de parede.

O bebé aumenta o tom da choradeira e ameaça partir a cama.

CARLOS: Depressa, põe-lhe a chucha!

ZÉ PEDRO pega numa chucha cor de rosa e avança na direcção do bebé enquanto chovem bonecos.

CARLOS: Valha-me Deus! Que horror! Ai, filha!

Zé Pedro como que começa a lutar com o bebé; há fraldas e bonecos pelo ar. De repente, tudo acalma e o bebé fica deitado e sossegado.

CARLOS: Conseguiste?!

ZÉ PEDRO: Já está!

CARLOS: Mas... (espreita para o bebé sem chucha na boca) a chucha era para pôr na boca.

ZÉ PEDRO: Na boca?! Mas eu pensei que era para...

CARLOS: Mas ele acalmou.

ZÉ PEDRO: Pois foi.

CARLOS: Ainda há esperança.

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