Opinião
Estado de Direito na UE: e se falássemos sobre isto?
Portugal ombreia com a Bélgica, o Japão e a Suíça com uns muito honrosos 96 pontos em 100 possíveis no índice da Liberdade no Mundo da Freedom House. A sua posição é igualmente positiva noutros índices internacionais que empregam as metodologias mais variadas. A nossa situação é, por isso, relativamente boa.
A Comissão Europeia publicou no passado dia 30 o seu primeiro relatório dedicado à situação do Estado de Direito na União Europeia, acompanhado de apreciações sobre os seus Estados-membros individualmente considerados. Para a Comissão, este relatório, que conclui o primeiro ciclo anual do Mecanismo Europeu para o Estado de Direito, é um passo importante para fortalecer um entendimento comum quanto ao Estado de Direito e para aumentar a confiança mútua na União.
De todas as regiões do mundo, a Europa é talvez a que menos precisa desta avaliação. A maioria dos seus Estados lideram destacadamente em todos os indicadores quanto às liberdades cívicas e económicas e apresentam padrões consistentes de respeito pela independência dos diferentes poderes, em particular do poder judicial.
Não obstante, é igualmente verdade que a União Europeia procura assumir desde há muito o papel de referência internacional quanto ao respeito e à promoção dos direitos humanos e que esta pretensão e a prática que lhe é associada se fortalecem com um escrutínio interno igualmente forte. Quem não deve, não teme. E quem procura ser exemplo precisa de estar à altura da sua exigência para com os outros.
Não se pode dizer que o teor do relatório constitua uma novidade no tocante a Portugal. As fragilidades estruturais e a falta de recursos que aponta são sobejamente conhecidas. De entre estas, destacam-se justamente a ineficiência judicial, em particular quanto a matérias administrativas e tributárias, e o facto de o combate à corrupção se encontrar ainda numa fase de consolidação. Igualmente sem surpresa - mas com preocupação acrescida - regista-se que a percepção pública quanto à independência do sistema judicial decresceu no nosso país.
É sabido que a celeridade e previsibilidade são factores da maior relevância no momento de captar investimentos (e de os fixar) e que a morosidade e a ineficiência influem negativamente na confiança dos agentes económicos. Também a estabilidade do corpus legislativo e a clareza na sua aplicação são elementos essenciais para um Estado que quer ser cada vez mais atractivo e transparente em benefício de uma economia com regras do jogo claras que sirvam uma sociedade mais justa.
Portugal ombreia com a Bélgica, o Japão e a Suíça com uns muito honrosos 96 pontos em 100 possíveis no índice da Liberdade no Mundo da Freedom House. A sua posição é igualmente positiva noutros índices internacionais que empregam as metodologias mais variadas. A nossa situação é, por isso, relativamente boa.
No entanto, mais do que comparação com os demais, com as suas falhas ou fragilidades, seria preferível que adoptássemos como referência aquilo que gostaríamos de ser. Porque o Estado de direito não é dispensável.
As liberdades e garantias e as regras que lhe estão associadas conformam a sociedade aberta e plural em que vivemos e em que queremos continuar a viver. Esta vê-se hoje acossada por ameaças tão multiformes quanto assimétricas que testam impiedosamente a sua coesão e resiliência. Os advogados estão quotidianamente na primeira linha da sua defesa e é precisamente a partir daí, desse lugar vigilante e por vezes solitário, que deve ser perspectivada e valorizada a sua acção.
A Comissão convidou os parlamentos e as autoridades nacionais a debaterem este relatório e os capítulos dedicados aos respectivos países. Não deveríamos fazer o mesmo.