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E se para ir mantendo a Grécia no euro fosse preciso ir tirando o FMI da troika?

Um dos meandros mais intrigantes da crise grega nas últimas semanas tem sido a atitude do FMI, mais especificamente a dissonância explícita e repetida entre as suas posições e as das restantes instituições europeias. Ora vejamos a sequência de eventos.

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Primeiro. O governo grego apresenta na segunda metade de junho uma proposta de extensão do programa de resgate que contempla alguma redução na despesa pública e um grande aumento da carga fiscal, especificamente sobre as empresas. Quando os parceiros europeus já pareciam ter aceitado a proposta, o FMI decide bloqueá-la, uma decisão que muitos entendem como inesperada e extemporânea. E porque é que a bloqueou? Porque, segundo o FMI, a proposta comportava um aumento excessivo da carga fiscal. O FMI considerou isto inaceitável por preferir – com razão – um corte na despesa a um aumento da receita fiscal, e também por achar que tal intenção de aumentar os impostos nunca se iria materializar, dados os já elevados níveis de evasão fiscal na Grécia. Daqui sairia eventualmente uma nova proposta das instituições europeias, mais dura do que a anterior, e que viria efetivamente a ser rejeitada pelo governo grego através da convocação de um referendo nacional.

 

Segundo. Nas vésperas do referendo, o FMI decide divulgar, novamente de forma inesperada e extemporânea, mais um relatório que refere que a dívida pública grega é insustentável. Enquanto os líderes europeus de tudo faziam para encorajar um "sim" no referendo, esta divulgação veio claramente dar força à posição  do governo grego que fazia campanha pelo "não". Afinal, o argumento do governo grego era que não era preciso mais austeridade e que a renegociação da dívida era o que devia ser discutido. Por outras palavras, o FMI parecia estar a dizer exatamente o mesmo, algo que não passou despercebido ao governo grego e que terá pesado na decisão dos eleitores.

 

Terceiro. Depois de um referendo que desafiava as instituições europeias e de várias tentativas falhadas para retomar as negociações, surge uma nova proposta franco-grega. Seguem-me maratonas negociais aparentemente infrutíferas. E na vigésima quinta hora, quando já tudo parecia irreconciliavelmente perdido, é apresentado um plano que não só permite a manutenção da Grécia no euro, como também aponta para soluções de mais longo prazo. Ainda sem ganhar o fôlego eis que, de novo, surge – mais uma vez de forma inesperada e extemporânea – mais um comunicado do FMI que critica asperamente o acordo. E porquê? Porque não se garante a sustentabilidade da dívida grega, porque as estimativas macroeconómicas são irrealistas, e porque não se pode confiar nos gregos para concretizar o que prometem. Tudo isto quando o governo grego estava a fazer um esforço hercúleo para levar o seu parlamento a aprovar, em contrarrelógio, um conjunto de medidas extremamente delicadas do ponto de vista político, económico e social que lhe foram exigidas pelo acordo.

 

Em cada um destes três momentos críticos, o FMI teve uma posição que foi claramente dissonante. E, para que não houvesse dúvidas, a senhora Lagarde fez questão de explicitar logo a seguir com toda a clareza que estas posições não foram nem circunstanciais nem extemporâneas.

 

Que o FMI tenha este tipo de posições é compreensível. De um ponto de vista técnico, a dívida grega é, de facto, insustentável. As projeções económicas usadas pelos parceiros europeus para a economia grega são, de facto, excessivamente otimistas. E a credibilidade da Grécia para implementar as reformas que lhe são exigidas é, também, muito diminuta. Nestas condições, entende-se o desconforto do FMI em contribuir para estes empréstimos, em futuros resgates. Os seus estatutos não o permitem. Os seus membros, muitos países em bem piores condições de desenvolvimento do que a Grécia, não o aceitam. Além disso, a crescente maleabilização dos critérios rígidos associados a um empréstimo representa uma deterioração de facto do seu carácter impoluto de emprestador de último recurso, o que é uma enorme fonte de preocupação para os seus responsáveis.

 

E aqui chegamos ao ponto-chave. O FMI é uma instituição fundamentalmente tecnocrática e independente. Estes são os atributos que tornaram tão desejável para a Zona Euro a sua participação em sucessivos resgates. Mas são precisamente estes atributos que podem agora estar a tornar-se num óbice à resolução da crise grega.

 

O problema com que a Grécia e a Zona Euro se debatem pode ter sido na sua origem exclusivamente económico e financeiro, mas já deixou essencialmente de o ser. Neste momento, é muito mais um problema de natureza política. Assim sendo, passou também a ser necessária uma abordagem menos tecnocrática e mais entrosada com o que se quer em termos do Projeto Europeu. É neste contexto que os países da Zona Euro decidiram rumar na direção de um terceiro resgate, com todos os riscos de insustentabilidade da dívida grega, com todos os otimismos das projeções económicas, e também com toda a desconfiança sobre a capacidade e empenho do governo grego em implementar as reformas. Foi uma decisão assumidamente europeia e assumidamente política. O oposto da tecnocracia e da independência que caracterizam e limitam o FMI.

 

Estamos agora perante um acordo entre a Zona Euro e a Grécia que vale por existir e não pelo que postula. O governo grego não acredita nele, o governo alemão não acredita nele, ninguém acha que o acordo é particularmente duradouro ou realista. Ainda assim, todos declaram a sua boa vontade e a sua melhor intenção de o cumprir. O acordo permite ganhar tempo precioso para abordar os problemas imediatos e para começar a pensar – com mais calma – em soluções mais duradouras e realistas. Ou seja, entrámos num universo paralelo em que para as instituições europeias a solidariedade política é mais importante do que o rigor técnico e em que se torna necessário algum "faz-de-conta" para evitar o colapso. E o FMI não pode, por definição, estar disposto a "fazer-de-conta".

 

Assim sendo, há aqui uma crise dentro da crise – um conflito incontornável e potencialmente irreconciliável entre os interesses e os condicionamentos do FMI e das instituições europeias. O que torna pertinente a conjetura de que ir mantendo a Grécia na Zona Euro pode passar por o FMI ir saindo da troika. Não se trata de uma saída nem completa nem explícita – os parceiros europeus vão sempre precisar da capacidade técnica do FMI –, mas sim de um processo em que o FMI vai assumindo progressivamente um papel mais subalterno. Pode até ver-se o empréstimo-ponte agora concedido à Grécia como um passo nessa direção. Quase dois mil milhões de euros são destinados a pagar as dívidas em atraso da Grécia ao FMI, deste modo assumindo os parceiros europeus uma parte, ainda que pequena, da dívida grega ao FMI.

 

Thomas Vaughn Professor of Economics

The College of William and Mary

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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