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Das marquises ao alojamento local  

Em todas as questões de ordenamento e de urbanização vem à discussão o nosso profundo e enraizado espírito minifundiário.

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É por isso que, apesar de vivermos em blocos de habitação, continuamos a comportar-nos como se nada do que fazemos nas nossas casas diga respeito aos restantes proprietários das frações.

 

O exemplo típico dessa forma de estar é a instalação de marquises, a ocupação de áreas comuns, o abuso das coberturas para transformar os T2 em morbíficos T2+1.  Somos assim, apesar de, a cada dia, sentirmos que as novas gerações nos negam nestes nossos comportamentos, nos implicam na obrigação de depositar o lenço de papel usado no respetivo recipiente.

 

A propriedade horizontal impõe ónus originais e regras posteriores de observação de gestão e de vivência. Das regras originais há uma que importa ter presente - se o prédio é de habitação nenhuma outra atividade se pode lá desenvolver sem que haja uma autorização municipal e uma permissão dos coproprietários. Sabemos que assim é, mas, como reparamos, muitos dos prédios de habitação foram sendo transformados, ao longo dos anos, em caldos de ocupação onde todos, habitantes permanentes e visitantes de ocasião, circulam pelas mesmas áreas e usam os mesmos equipamentos. A qualidade de vida das famílias residentes reduz-se muito, e o valor de mercado das frações, fruto do ganho alheio, também se restringe significativamente.

 

A lei já determina o que é habitação. Também nos diz do enquadramento relativo ao arrendamento para habitação. Habitação própria ou arrendada são duas porções do mesmo universo e não podem ser transformadas em partes da coroa que se mostra oposta a uma cara onde estão outros tipos de usanças. Esta não é uma moeda convencional.

 

Quando o Partido Socialista se propõe permitir o uso de habitação como alojamento local com regras, incorporando uma obrigatória permissão dos condóminos para que se possa aceitar essa atividade, o que está a indicar enquanto legislador é a normalidade da vida em propriedade horizontal, é o forçar os direitos e os deveres de todos os que se vinculam à obrigação conjunta de habitarem, com outros, no mesmo espaço.

 

O regime jurídico que ata o alojamento local emerge da leitura mais atual das atividades turísticas. É por isso que terá de ser enquadrado e viabilizado tendo em conta regras de desempenho, de serviço, de reporte e de imposição fiscal diferenciadas. Nada disto se pode misturar com a atividade do arrendamento comum para habitação. Mas o alojamento local também não é uma unidade. Há alojamento local onde o habitante permanente se mantém no espaço e acompanha a vida diária e há o alojamento local de natureza paraindustrial que em pouco difere de outras ofertas hoteleiras. E para estas realidades importa encontrar diferentes respostas.

 

Há quem diga que esta iniciativa vai limitar muito a recuperação do edificado. Nada de mais estranho se pode inventar para remar contra a iniciativa do PS. Os promotores sabem o que fazer. Desde logo, em sede de licenciamento, podem abrir o futuro uso a todas as atividades que o município lhe autorizar, que os instrumentos de planeamento lhe permitirem. Claro, este alojamento local foi sendo desenvolvido como uma espécie de aluguer de quartos à revelia, uma forma semelhante de "uberizar" a disponibilidade de alojamento sem o filtro das entidades públicas. E isso não poderá nunca acontecer, como não acontece em qualquer país da Europa onde o fenómeno se vai alastrando.  

 

Outro dos argumentos, este mais patético, é o que se refere à localização do problema. Para pensadores eméritos o assunto está em Lisboa e no Porto. Há, desde logo um problema de universalidade da lei e, depois, a não constatação de que, em muitas outras terras o fenómeno cresce e fortalece. Acompanhado deste aparece ainda aquele que trata o orçamento como um saco sem fundo. Dizem - se o problema é implicar em habitação para arrendamento então uniformize-se, por baixo, a tributação da habitação alugada com a do arrendamento local. Aqui está o regresso à facilidade do Orçamento do Estado, a uma visão das contas públicas que já eu mau resultado.

 

O PS fez bem ao implicar a controvérsia. Em boa verdade, ela é central na discussão que se quer franca e saudável. Por esta via pode o Parlamento ocupar-se de um tema com outras vistas que não só a da autorização benévola que muitos gostariam. Façam os restantes partidos a leitura digna que nos leve a um consenso.

 

Deputado do Partido Socialista

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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