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Alguns cafés e alguns nomes marcantes

Quem lê, hoje, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, José Cardoso Pires? No entanto, em largo período da vida cultural portuguesa, um ou outro, uns mais outros menos, foram lidos, comentados e estimados.

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Os nomes esquecidos da literatura portuguesa do século XX são mais do que muitos. E alguns deles não o mereciam. Celeste Andrade, Maria Archer, Irene Lisboa, a própria Maria Judite de Carvalho, encontram-se no limbo, certamente por descaso, ignorância, preconceito. E Leão Penedo, Rogério de Freitas, Manuel do Nascimento, Afonso Ribeiro, Júlio Graça, Tomás de Figueiredo, que poucos sabem quem foram. Quem lê, hoje, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, José Cardoso Pires? No entanto, em largo período da vida cultural portuguesa, um ou outro, uns mais outros menos, foram lidos, comentados e estimados.

Conheci muitos deles, com alguns privei mais de perto, nas grandes tertúlias de cafés, que foram universidades de saber e de convívio. A vida cultural era muito viva, porque animada pela luta contra o salazarismo. Os cafés eram vigiados por agentes da PIDE e muitos destes eram conhecidos, como na Brasileira do Chiado, onde poisavam, de manhã, e eram cumprimentados por alguns jornalistas, próximos do regime. Frequentei muitas dessas tertúlias. Na Brasileira do Chiado, de manhã, antes de ir para O Século, sentava-me na mesa de José de Freitas, antes de este se encaminhar para o Diário Popular. Quando os agentes da PIDE (os que conhecíamos) entravam no café, o José de Freitas e eu erguíamo-nos e saíamos. Um desses torcionários, conhecido pelo Seixas da Pide, era um indivíduo enorme e corpulento, antigo carcereiro no Tarrafal, e conhecido pela sua brutalidade.

Anos mais tarde, eu haveria de trabalhar no Popular, e acamaradar com José de Freitas, este, então, redactor principal. Os defeitos e as qualidades, deles e minhas, avultam com o rolar dos anos, mas devo-lhes, e a muitos mais, a minha formação e o eventual engenho profissional. É um débito enorme e impagável. E recordo-os com saudade, e à admirável coragem demonstrada durante anos e anos de salazarismo.

Quanto a Leão Penedo, que morreu novo, com 59 anos, frequentava, à hora do almoço, o Café Chiado, com o seu sócio e amigo Rogério de Freitas, com o qual organizara uma editora de livros de arte, Artis, assim chamada. Artis publicou livros notáveis, um dos quais sobre Cândido Portinari, com um texto de Mário Dionísio.

Leão Penedo, com Gentil Marques, fez adaptações de filmes a livros, com assinalável êxito. Ligado ao movimento neo-realista, mas com uma estética e uma técnica muito pessoais, trabalhou no cinema, como guionista, e publicou interessantíssimos romances, destinados a iluminar as características do tempo, como "Caminhada", "Multidão", "Circo" (adaptado ao cinema com o título de "Saltimbancos", e dirigido por Manuel Guimarães) ou "A Raiz e o Vento".

Ele e a mulher faziam um casal distinto e elegante. A mulher era uma senhora muito bonita, que atraía as atenções, e Leão Penedo "muito bem apessoado", na feliz expressão de Manuel da Fonseca. Todas essas figuras, que marcaram a época, de uma forma ou outra, correspondiam às exigências do tempo e tinham para consigo a consciência imperiosa e ética de o retratar criticamente.

Leão Penedo morreu vítima de uma doença estranha e terrível. Ficou sem memória; no entanto, ia frequentemente, quase diariamente, às matinês dos cinemas. E, segundo a mulher, compreendia os temas e os teores dos filmes. Até ao fim deslocava-se à firma que criara com Rogério de Freitas. Creio que a releitura crítica de alguns livros deste autor seria extremamente benéfica por instrutiva e animosa.


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