Opinião
A pátria em acentuada decadência
Se quiser saber o que realmente ocorre, tem de frequentar a imprensa estrangeira, tal como no fascismo. Este reino cadaveroso está envolvido num lamaçal de condescendências e de cumplicidades, que afecta a própria alma do que somos.
A decadência portuguesa acentuou-se nos últimos quatro anos. O universo de embuste criado com o "empobrecimento" da população; a "austeridade" imposta por uma ideologia que ignora as características, a cultura e a História do país criaram uma apatia de desistência, já marcada anteriormente e acentuada agora. Não há debate político ou cultural; inculcou-se no português médio o fetiche do futebol; as revistas cor-de-rosa deram lugar a um universo fantasioso; e a imprensa, aquela que tinha por dever, obrigação e destino, está moribunda e pertence a grupos industriais com objectivos e funções especiais, que pouco têm a ver com a própria natureza do "produto."
É penoso ler a imprensa dita de "referência", estafada em desaforar o leitor dos grandes problemas nacionais e internacionais. A caso da Grécia, nos nossos jornais, foi e tem sido tratado com uma leviandade e uma displicência que brada aos céus. Nem nos tempos do fascismo, com censuras internas e externas, eram analisados temas como quem despacha um fardo enfadonho. Nem durante a guerra do Vietname, que seguimos com a atenção que o conflito justificava, a imprensa portuguesa desceu tão baixo. Então, como agora, tratava-se de um acto de beligerância, cuja natureza exprimia uma ideologia de supremacia, que conduzira a um embate sangrento. As pessoas, em todo o mundo, tomaram partido, na maioria dos casos com evidente simpatia pelos vietnamitas. Na contenda entre a Grécia, foi rapidamente percebido o que estava em causa, mesmo que os jornais, as rádios e as televisões fossem omissos em abordar a essência da beligerância, e a capitulação do Syriza não deixou de magoar muita gente, pela evidente humilhação de um povo, cercado pelas garras do capitalismo mais exacerbado.
Na discórdia europeia, Passos Coelho colocou-se, obediente e sabujo, ao lado de Angela Merkel, tal como, anteriormente, o fizera José Sócrates. Nesta parada de serviçais, não o esqueçamos, o único partido que sempre recalcitrou foi, e tem sido, o PCP. Goste-se ou não, os comunistas portugueses têm pelejado contra a subserviência dos nossos governos e alertado para a urgente necessidade de Portugal sair desta Europa defeituosa. Nada desta problemática é tratada, com a seriedade exigida, pelos órgãos de comunicação sociais. Se quiser saber o que realmente ocorre tem de frequentar a imprensa estrangeira, tal como no fascismo. Este reino cadaveroso está envolvido num lamaçal de condescendências e de cumplicidades, que afecta a própria alma do que somos. "Um fraco rei faz fraca as fortes gentes", disse-o o Poeta, melhor do que ninguém.
Um autor fora do curso
Sempre gostei muito de Tomaz de Figueiredo, do seu temperamento sacudido e trágico, mas, sobretudo, dos seus livros, da requintada nobreza do seu carácter, do seu acrisolado gosto em ser português. Conheci-o, e disse-lhe o que acima escrevo. Ele apreciava quem o apreciava, e falou-me, várias vezes, no Manuel Poppe, grande crítico literário que nutria por ele grande estima e admiração. A verdade é que cada vez gosto mais deste homem raro e deste escritor invulgar, um pouco maltratado pela "inteligentzia" da época, a qual não suportava o seu génio e a sua truculência vital. A família do grande escritor reuniu, em volume, "Pedra d'Armas", uma série de textos avulsos, mas que marcam e definem a essência única deste prosador. Ler Tomaz de Figueiredo é ter um encontro inesquecível com um dos nossos maiores dos maiores.
Mais artigos do Autor
A ameaça pode atingir todos nós
03.03.2017
O despautério
24.02.2017
O medo como processo do terror
03.02.2017
Uma vida cheia de paixão e de jornais
27.01.2017