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A mobilidade e as áreas metropolitanas - quatro propostas para o debate

A mobilidade é mesmo o desafio maior das metrópoles portuguesas e é o setor no qual os poderes públicos, sem invadir a esfera das escolhas individuais e do mercado, podem fazer melhor.

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Se os principais problemas de mobilidade acontecem nas áreas metropolitanas e estas têm um órgão de governo, é à escala metropolitana que as decisões de planeamento, tarifário, oferta de transportes e obrigações de serviço público têm de ser definidas, independentemente do dono das empresas que fornecem o serviço.

Portugal tem de reduzir, até 2030, as emissões do sector dos transportes em 24%, o que obriga o país a um grande esforço de investimento no transporte coletivo, na mobilidade partilhada, elétrica e suave.

 

A mobilidade é mesmo o desafio maior das metrópoles portuguesas e é o setor no qual os poderes públicos, sem invadir a esfera das escolhas individuais e do mercado, podem fazer melhor. A vontade das duas áreas metropolitanas em discutir a mobilidade como um dos temas centrais da descentralização é uma oportunidade de ouro.

 

Em primeiro lugar, foquemos o conceito. Este já não é "transportes", mas "mobilidade", isto é, uma oferta diversificada, partilhada e hipocarbónica de soluções para uma procura fragmentada em territórios desiguais. A ferrovia pesada e ligeira (metros), os autocarros, os barcos, a mobilidade partilhada (suave ou elétrica), o táxi (e outras formas de transporte a pedido) e o andar a pé têm de ser opções fáceis, sabendo que nem sempre as escolhas são racionais pois a perceção de conforto de cada um haverá sempre de perturbar essa racionalidade. O conjunto de opções terá de ser articulado e desenvolvido para espaços urbanos cada vez menos projetados para o automóvel.

 

A articulação de todos estes modos tem de ser projetada e pensada à escala metropolitana, retirando-se o Estado Central dessa função. Em rigor, nas áreas metropolitanas haverá apenas uma autoridade de transporte, a qual planeia, define o sistema tarifário, concessiona e fixa as obrigações de serviço público, compensando financeiramente os operadores. Esta pretende ser a primeira proposta deste texto.

 

A mobilidade terá de ser paga ao final do mês, através de uma conta agregada, como já hoje acontece com qualquer outro serviço público. Na Área Metropolitana do Porto, isso acontecerá em boa parte ainda neste semestre, através da desmaterialização do Andante.

 

O custo da viagem é um fator importante. Acompanho com interesse as propostas metropolitanas de um só passe de igual custo para todas as deslocações em transporte coletivo, independentemente da distância percorrida. Esta solução aliviaria muito as entradas de automóveis nos locais centrais. Mas, porque as deslocações têm um custo que se mede ao quilómetro e ainda porque poderá ter o efeito negativo de afastar ainda mais os moradores dos centros, prejudicando a cidade densa e com redes mais curtas que desejamos, deverá ser avaliada com todo o detalhe. Contudo, parece evidente a afirmação de um modelo com muito menos títulos de transporte e todos eles multimodais, modelo que possa servir de base à tal conta que agregue todas as formas de mobilidade.

 

Chego assim à minha segunda proposta: um sistema tarifário unificado, alargado além da oferta de transporte coletivo, traduzido numa conta mensal de mobilidade, com um preço que reflita as externalidades positivas do uso do transporte coletivo e não discriminando negativamente os que vivem longe do centro.

 

As redes de oferta terão de ser planeadas como um todo. Há modos mais pesados e que não funcionam fora de canais predefinidos que são a estrutura do sistema. Em torno destes, devem circular os autocarros, entregues a quem gere a via pública (o que já acontece com a passagem, às autarquias, por este Governo, da STCP e da Carris).

 

Porque o dia a dia não nos permite pensar numa mobilidade sem transporte individual, desta farão parte o táxi, o TVDE, a bicicleta e os motociclos, e passeios confortáveis e seguros para andar a pé, bem como os próprios carros individuais, de preferência partilhados e elétricos.

 

A minha terceira proposta passa pelo planeamento das redes de mobilidade. Elas são uma responsabilidade metropolitana, devendo as formas de financiamento, através de fundos comunitários, ser colocadas diretamente ao seu dispor.

 

O transporte coletivo é por regra deficitário, sendo Portugal, curiosamente, um dos países no qual este é menos subvencionado. Esse défice de exploração terá de ser compensado por obrigações de serviço público, asseguradas pelas áreas metropolitanas, devendo estas escolher a melhor forma de obter receitas. Essas obrigações, determinadas à cabeça e contabilizadas no final de acordo com o número de viagens e a qualidade de serviço prestado, serão pagas às empresas prestadoras do serviço, independentemente da sua titularidade.

 

Quarta proposta: sendo de esperar que o sistema seja parcialmente deficitário para se ter um bom serviço, esse diferencial deve ser pago, a cada ano, de forma transparente, pela autoridade metropolitana às empresas.

 

A responsabilidade do Estado deve concentrar-se em duas variáveis da maior importância, além do cumprimento das obrigações de serviço público que forem impostas às suas empresas.

 

A primeira é a subsidiação da componente social dos transportes e o pagamento dos "descontos" não comerciais. Falamos das compensações das assinaturas sociais, do sub-23 e do 4-18, em moldes iguais para todo o país, ou de outras que possam resultar de uma conta mensal de mobilidade.

 

A segunda são os investimentos necessários à expansão das redes com reduzido grau de liberdade de percurso, como sejam o modo ferroviário e fluvial, e até das grandes reparações do material circulante ou fluvial. Caso estas empresas passem para a propriedade ou gestão municipal, a manutenção dos modos de transporte deverá passar para as autarquias, assegurando o Estado o financiamento da expansão e a manutenção dos canais de transporte.

 

Em resumo: o grande desafio da próxima década nas metrópoles é o da mobilidade. Os próximos dois ciclos de financiamento comunitário devem permitir enfrentar este grande desafio. O Estado deve garantir que não há excluídos e os principais investimentos. As áreas metropolitanas serão os planeadores da oferta e os seus gestores (direta ou indiretamente), em conjunto com a via pública, os donos dos sistemas de bilhética, os responsáveis pela fixação de tarifas, bem como das obrigações de serviço público encontrando forma de financiar o cumprimento destas obrigações.

 

Ministro do Ambiente

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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