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02 de Janeiro de 2017 às 00:01

A economia global em 2017 - um equilíbrio delicado

Oito anos passados desde a crise financeira nas economias desenvolvidas, seria normal esperar que a economia mundial já tivesse regressado à normalidade.

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Os Estados Unidos já se aproximaram desse caminho, tendo subido duas vezes as taxas de juro, mas no Reino Unido, na Zona Euro e no Japão, as taxas de juro dos bancos centrais permanecem em níveis de "emergência". 2016 foi também outro ano de choques inesperados, desta vez na política, o que mantém elevada a incerteza relativamente à perspetiva económica global.

Há um ano, por esta altura, o elemento central que se deparava à economia global era se as tendências deflacionistas seriam ou não travadas e a recuperação das economias avançadas fortalecida. Os mercados financeiros parecem ter concluído, recentemente, que se pode esperar um progressivo sucesso nestes aspetos, devido particularmente à vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos EUA e ao acordo da OPEP para suportar os preços do petróleo com o corte da produção.

Esta expectativa parece-me estar correta: além dos EUA, a China continua a registar um bom crescimento e a Europa está lentamente a recuperar, mas é muito importante que os governos e os bancos centrais não sejam complacentes. Há ainda vários riscos que podem impedir um gradual regresso à normalidade e ao equilíbrio na economia global.

Até que ponto as políticas económicas do presidente eleito nos EUA vão diferir daquelas que defendeu na campanha? O que vai ele fazer em relação ao "protecionismo"?

Como se vão desenrolar as negociações do Reino Unido para a saída da União Europeia e quais as implicações para a estabilidade e sucesso do resto do espaço comunitário? Vão os votos "contra o sistema" que se viveram nas eleições nos EUA e no referendo italiano repetir-se em eleições gerais ao longo de 2017, com que consequências políticas (especialmente em França) e com que efeitos para as economias?
Um tema comum por detrás de todos estes riscos é o aumento da desigualdade na repartição dos rendimentos como uma razão de fundo para a insatisfação com os governos por parte de grandes parcelas da população dos países avançados. A estagnação e a queda no poder de compra para muitas pessoas por um longo período de tempo colidem com as expectativas criadas na experiência dos anos do pós-guerra – no Reino Unido, por exemplo, toda a metade inferior da pirâmide da população, por nível de rendimento, não viu praticamente nenhum crescimento do poder de compra nos últimos 15 anos.

Por sua vez, os governos sentem a tentação de olhar para soluções ou medidas rápidas que podem parecer que resolvem os problemas mas que, na realidade, dão poucos benefícios e podem até trazer obstáculos adicionais para a melhoria dos padrões de vida. O combate à globalização e à livre circulação de trabalhadores são dois exemplos disso.

Embora transfira alguns empregos tipicamente pouco exigentes a nível de competências das economias avançadas para os mercados emergentes, a globalização também reduz os preços no consumidor nas economias avançadas e, assim, melhora o respectivo o poder de compra. Por esta razão, e por ajudar o desenvolvimento das economias emergentes, traz consigo um aumento da procura global e cria empregos noutras áreas nas economias avançadas – parte da habitual mudança no padrão das economias para um maior nível de serviços à medida que o rendimento sobe.

Ao permitir a especialização das economias em áreas onde são mais eficientes, a globalização também dinamiza o crescimento da produtividade e a subida dos padrões de vida do mundo como um todo. Da mesma forma, a livre circulação de trabalhadores coloca um limite às ineficiências e às pressões inflacionistas nas economias que recebem esses trabalhadores e ainda promove a transferência de competências para onde a procura é maior, mais uma vez ajudando ao crescimento da produtividade.

É importante que os governos definam os caminhos adequados para lidar com as dificuldades genuínas criadas pela globalização e pela imigração a algumas partes da população, de forma a garantir que os benefícios acumulados são repartidos de uma forma mais equitativa. Seguir um caminho diferente é prejudicial para o objetivo mais amplo de melhoria dos padrões de vida ao longo do tempo. O envelhecimento da população em todo o globo, que é um obstáculo natural para o progresso nos padrões de vida, adiciona outro grau de exigência à importância de fazer isto correctamente. E a revolução digital, que exige políticas de formação que proporcionem as competências que os novos empregos vão necessitar no futuro, vem agravar esta necessidade
Necessitamos de melhores políticos; de pessoas com coragem e visão de longo prazo, que saibam comunicar esses projectos às populações. A dinamização do potencial de crescimento de Portugal é essencial. António Horta Osório

Apesar dos riscos, a perspetiva no curto prazo para a economia global melhorou ao longo do último ano. A desalavancagem do sector privado nas economias avançadas está a avançar, embora mais nos EUA e no Reino Unido do que na Zona Euro. A política orçamental já não está a orientar-se na direção oposta da política monetária. Os bancos europeus continuam a melhorar a solidez financeira e a oferta de crédito está a progredir para responder à crescente procura, embora a Itália seja, aqui, uma notável exceção. E a Zona Euro está agora num ciclo inicial de crescimento, em que o crescimento da despesa está a conduzir à queda do desemprego, contribuindo para o aumento da confiança e para mais avanços no consumo, que devem continuar durante 2017.

A acrescentar a tudo isto, as maiores economias emergentes, Rússia e Brasil, estão a sair da recessão, deixando de pesar significativamente sobre a procura global. A Índia cresce a taxas superiores à China; e o suporte aos preços do petróleo com o recente acordo da OPEP vai ajudar as finanças dos governos de mercados emergentes exportadores da matéria-prima.

Podemos assim antever 2017 num estado de espírito cautelosamente otimista do ponto de vista económico. Mas para justificar o otimismo, as políticas mundiais vão ter de melhorar e os governos e as empresas terão de trabalhar em conjunto para maximizar a partilha de benefícios obtidos com o desenvolvimento global, de minimizar os efeitos colaterais das políticas nacionais no resto do mundo e de encorajar a economia global a crescer de uma forma mais equilibrada, seja dentro ou entre os vários países.

Para a Zona Euro, isto significa uma maior solidariedade "Norte-Sul" e a continuação do trabalho de desenvolvimento de um melhor enquadramento institucional para separar a ligação entre o sector bancário e o estado soberano; significa uma melhor partilha dos custos e das oportunidades apresentadas pela imigração em larga escala; e significa um maior equilíbrio da competitividade entre os Estados-membros. Significa também que necessitamos de melhores políticos; de pessoas com coragem e visão de longo prazo, que saibam comunicar esses projectos adequadamente às populações.

Estes pontos são particularmente importantes para Portugal, onde a reforma estrutural nos mercados laboral e de bens poderia render bons dividendos no longo prazo. A facilidade de estabelecer empresas melhorou significativamente desde 2009 no país, mas Portugal caiu de 23º para 25º neste aspecto nos últimos dois anos, ultrapassado dentro da Zona Euro pela Polónia. Por outro lado, Portugal está a promover grandes avanços na educação nas escolas, com a maior melhoria em matemática e ciências no triénio terminado em 2015 de qualquer um dos países da UE. Mas há ainda um caminho pela frente para alcançar países como Finlândia, Alemanha, Irlanda e Holanda.

Com dívida elevada a nível do Estado e do sector privado, a dinamização do potencial de crescimento de Portugal é essencial para reduzir o endividamento e a fragilidade da economia que daí resulta. Fazê-lo enquanto o crescimento económico da Zona Euro está a progredir e as exportações a aumentar, suportadas por uma valorização do dólar, será duplamente benéfico, aliviando o custo da mudança e maximizando a oportunidade.

Se este momento for aproveitado, quer em Portugal, quer em toda a Zona Euro, teríamos mais motivos para otimismo a prazo nas perspetivas económicas. Quanto mais as economias avançadas puderem impulsionar a sua recuperação de forma sustentada, maiores as hipóteses de a economia global evitar uma interrupção abrupta advinda de um choque inesperado e mais capazes serão estas economias de reduzir os significativos níveis de endividamento, contribuindo para melhorar as perspetivas para as novas gerações. Os governos e as empresas têm a responsabilidade de aproveitar esta oportunidade.
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