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19 de Setembro de 2019 às 18:41

Mudanças climáticas: alteração de comportamentos

Ao nível político, não basta parecer verde por fora e ser cinzento por dentro - um país que beneficia de energias muito limpas internamente, mas importa energia com origens muito poluentes, não traz qualquer valor acrescentado à defesa da sustentabilidade.

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As mudanças climáticas são, neste momento, evidentes para a maioria das pessoas e os compromissos ou objetivos globais não significam uma reversão da situação atual, mas sobretudo uma tentativa de não deterioração. Se nas economias desenvolvidas o caminho para a economia sustentável pode parecer mais ou menos bem identificado (embora não consensual), no que respeita às economias emergentes, a questão de sustentabilidade pode suscitar problemas mais complexos.

 

O grande salto de desenvolvimento económico foi introduzido pela revolução industrial, que a globalização fez chegar a todos os cantos do mundo. Foram estas duas forças que permitiram a redução abismal de níveis de pobreza nas economias emergentes. Afirmar a necessidade de evolução para um modelo económico mais sustentável significa consumir menos "coisas" e avançar para o consumo dominado por intangíveis. Se a economia da partilha predominar, vão ser necessários menos automóveis, menos aparelhos eletrónicos, menos roupa, alterações na alimentação,... Portanto, haverá necessidade de menos fábricas e a população empregada terá de transitar para outras atividades - serviços. Tomando o exemplo chinês como paradigma dessa evolução, a criação de emprego deslocar-se-á da fábrica para os serviços, havendo o risco de o serviço vir a ser, em parte, substituído por um algoritmo. Saltar a fase industrial tradicional pode dificultar o reposicionamento pela ausência das valências necessárias da população. Para que as economias emergentes abracem o modelo de economia sustentável, impõe-se assegurar a continuação de criação de emprego e de níveis de rendimento acima dos patamares de sobrevivência na transição de modelo. Sinalizar que o modelo de desenvolvimento bem-sucedido do Ocidente e parte da Ásia não pode continuar a proliferar, porque põe em risco a viabilidade da vida no planeta, poderá não ser suficiente para garantir adesão. As economias que chegaram atrasadas a este processo poderão sentir-se condenadas à sua condição inicial, entendendo o apelo à sustentabilidade como uma barreira ao desenvolvimento. Existem, contudo, exemplos inspiradores de economias emergentes com forte empenho no combate às mudanças climáticas.

 

Se esta reorientação apresenta desafios em termos de rendimento e de igualdade de oportunidades em termos globais, também significa diferenças ao nível de consumo. No presente, defende-se consumo mais consciente ou sustentável. Porventura, tal implica que partes da população em economias emergentes poderão estar em risco de exclusão do fenómeno de melhoria de condições de vida. Podem conseguir comprar os cereais transgénicos, mas é incomportável suportar os custos de alimentos biológicos.

 

Nas economias desenvolvidas, o tema da sustentabilidade também configura desafios. A população mais jovem parece mais disponível para aderir a comportamentos mais sustentáveis e amigos do ambiente, promovendo decisões de consumo mais conscientes. Mais frequentemente, não dispõem de automóvel próprio, arrendam casa em vez de adquirir, compram produtos biológicos ou reciclados. Muitas vezes, estas decisões são igualmente facilitadas por questões de preço ou pela necessidade de assegurar maior mobilidade. Uma maior adesão à lógica da economia circular e da reciclagem pode ter de passar pelo reequacionamento de alguns preços. A grande diferença de preço entre produtos mais e menos sustentáveis pode funcionar como travão à alteração de comportamentos. Os próprios custos implícitos de uns e outros deveriam ser mais transparentes para potencializar escolhas mais informadas. Por outro lado, deve ser dada maior ênfase à reutilização e à compra mais consciente. A dominância das populações urbanas desenquadradas do ciclo na natureza provoca um distanciamento face às necessidades da terra. Privilegiar o contacto com a natureza, dar a conhecer o ciclo de vida, as suas exigências, favorecem escolhas mais conscientes. O progressivo afastamento do processo de consumo do processo produtivo é inevitável, mas até que ponto não fomenta decisões menos bem fundamentadas em termos de sustentabilidade por via simplesmente do facilitismo? Até que ponto a demografia, designadamente o envelhecimento da população das economias desenvolvidas, não condiciona decisões em prol de maior sustentabilidade?

 

Ao nível político, não basta parecer verde por fora e ser cinzento por dentro - um país que beneficia de energias muito limpas internamente, mas importa energia com origens muito poluentes, não traz qualquer valor acrescentado à defesa da sustentabilidade. Se o desafio é planetário, a solução tem de ser igualmente global, envolvendo todos os países e todas as gerações. As questões ambientais são mais um exemplo de antecipação de consumo à custa de uma fatura futura. 

 

Economista

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