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Carlos Almeida Andrade - Economista 03 de Julho de 2016 às 19:10

"Déjà vu?"

O período da Grande Depressão dos anos 1930 foi, como é sabido, caracterizado por fortes quedas da actividade económica nas principais economias.

O PIB caiu 5% no Reino Unido, 15% em França, 24% na Alemanha e 30% nos EUA. O desemprego atingiu picos de 10% no Reino Unido, 25% nos EUA e 30% na Alemanha. Os mercados financeiros atravessaram períodos de grande instabilidade e muitos investidores - grandes e pequenos - sofreram perdas avultadas. Sob a fúria e o desespero das populações, várias empresas e bancos faliram, levando muitos depositantes a perderem as suas poupanças. Foi neste contexto que muitos governos adoptaram políticas proteccionistas, procurando direccionar a procura interna para a compra de produtos nacionais, na esperança de reanimar a actividade das empresas domésticas e o mercado de trabalho. Vários países impuseram também restrições à saída de capitais.

 

Claro que o proteccionismo gerou retaliações por parte dos países visados. O resultado foi uma queda significativa das importações, mas também das exportações, chegando, em alguns casos, a recuos de 30% a 40%. Em 1950, o peso das exportações mundiais no PIB encontrava-se ao nível de 1870 (cerca de 5% do PIB mundial), enquanto o peso no PIB dos capitais estrangeiros aplicados nas economias em desenvolvimento (uma "proxy" da globalização financeira) recuou para níveis inferiores aos observados em 1870, cerca de 4% do PIB mundial (o ano de 1870 é utilizado como referência, uma vez que é normalmente associado ao arranque de uma primeira fase do processo moderno de globalização).

 

Uma outra manifestação deste clima de proteccionismo foi o exacerbar de sentimentos nacionalistas, que deu origem a um ambiente anti-imigração. Utilizando como referência as estatísticas disponíveis para os EUA, registou-se uma queda acumulada de 60% no número de imigrantes entre 1870-1914 (a primeira fase da globalização) e 1914-1950. Apesar das "boas" intenções, a tendência global de fecho das economias sobre si mesmas - ao nível das trocas comerciais, dos movimentos de capitais e dos fluxos migratórios - teve como resultado uma diminuição do crescimento económico global, bem como aumentos da desigualdade e da pobreza. Estima-se que o crescimento médio do PIB mundial tenha recuado de cerca de 3% no período 1870-1925 para 1,4% no período 1930-1940. Este período culminou, como é sabido, com a II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945.

 

Qual a relevância deste passeio pela História? Aumento dos populismos e dos nacionalismos, tentações proteccionistas, queda da reputação das "elites" (incluindo políticos, banqueiros… e economistas…!) são-nos familiares. Vemo-las em 2016, à esquerda e à direita, na Europa, nos Estados Unidos ou na América Latina, em reacção ao baixo crescimento económico, ao aumento do desemprego e às falências de empresas e bancos. Também em reacção à transição para uma actividade produtiva mais digitalizada e automatizada e à deslocalização do investimento para economias emergentes (que alimentam a desigualdade do rendimento nas economias avançadas). Não há, nestas reacções, nada de novo - a natureza humana é o que é. Também não se deverão esperar resultados diferentes. Se a actual vaga global populista, nacionalista e proteccionista vingar, se as "elites" não souberem responder a esta ameaça (mantendo as economias abertas, num ambiente concorrencial saudável e equilibrado, e assegurando a igualdade de oportunidades no acesso à prosperidade económica), esperam-nos tempos difíceis.

 

Economista

 

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