Opinião
Surpresa: o governo descobriu que não tem dinheiro
O governo andou três anos a vender facilidades. Agora que terminou a folga deixada pela Troika bateu com a cabeça na parede.
A FRASE...
"Não é possível antecipar idade da reforma e aumentar o valor do ordenado base dos enfermeiros."
Marta Temido, Antena 1, 14 de janeiro de 2019
A ANÁLISE...
O governo tem nas mãos um gravíssimo conflito com a classe dos enfermeiros, cujas greves sucessivas (e cirúrgicas) estão a adiar cirurgias, muitas delas urgentes. Para enfrentar o problema, o governo começou por não dar ouvidos aos sindicatos. Pensou que o prolongamento da greve faria os enfermeiros regressarem ao trabalho, por falta de rendimentos. Enganou-se: a classe lançou mão de um recurso inédito (o "crowdfunding") e tem conseguido prolongar o conflito até levar o Ministério ao desespero.
A atual ministra, que começou mal (tentou apanhar moscas com vinagre, ao associar os grevistas a criminosos), percebeu tarde a gravidade do problema. Agora, apanhada entre as greves e as cativações de Mário Centeno, foi obrigada a confessar a verdade: não tem dinheiro para aumentar o ordenado base e também não tem margem para baixar a idade de reforma (sem penalizações). Pelo meio lá vai dizendo que cedeu onde podia: aceitou uma categoria profissional, a de "enfermeiro especialista", que vai custar 21 milhões de euros ao Orçamento.
Pergunta: o governo queixa-se de quê? Quem anda a apregoar, desde 2016, que tem dinheiro para satisfazer as corporações que mais pesam na despesa pública? O governo andou três anos a vender facilidades. Agora que terminou a folga deixada pela Troika bateu com a cabeça na parede.
Marta Temido, que chegou ao governo cheia de peneiras, está a reconhecer o óbvio: o governo cometeu erros sobre erros desde que assumiu o poder. António Costa e Mário Centeno sabiam perfeitamente dos desequilíbrios existentes em várias carreiras no Estado (enfermeiros incluídos). E em vez de resolverem os problemas urgentes, utilizaram a folga orçamental para fazer devoluções indiscriminadas de rendimento à generalidade dos funcionários do Estado e pensionistas. Moral da história: agora que enfermeiros, professores, funcionários judiciais, guardas prisionais e polícias reclamam a resolução de problemas com mais de uma década, descobriram que não têm dinheiro. Só podem queixar-se de si próprios.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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