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Catalunha: insurreição sem legitimidade

Menos de 40% dos eleitores catalães votaram "sim" no "referendo" sobre a independência da Catalunha. O "referendo" é para escrever mesmo assim, entre aspas: não só foi condicionado pela acção de Madrid, como produziu resultados não auditados e em que ninguém pode acreditar.

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Indo além da questão da ilegalidade do referendo – que não é uma questão menor – os políticos independentistas da Catalunha continuam com o mesmo problema de sempre: falta-lhes legitimidade democrática para dar um salto desta magnitude.

2. O governo regional de Carles Puigdemont representa a maioria dos que querem a independência, mas age como se todos os catalães a quisessem. Puigdemont, que sabe que o tema divide a sociedade catalã, desenha a sua acção para acicatar o nacionalismo dos catalães, numa lógica de "quanto pior, melhor". Ele, de resto, assume isso às claras numa entrevista esta semana à BBC: a independência está mais perto também por causa dos "erros" de Madrid em resposta ao desafio catalão. É uma estratégia de pura manipulação do eleitorado catalão num tema complexo, mascarada pela alegada "pureza democrática" que um referendo – a arma de eleição dos populistas – confere.

3. A crise mais grave da democracia espanhola não nasceu agora e não é explicável apenas pela acção de um governo regional suportado por forças que não ganharam a maioria do voto popular. Os catalães podem estar divididos sobre a secessão – sobre o impacto económico, sobre os laços culturais ao resto do país onde têm família e trabalham, etc. – mas a maioria deseja mais autonomia política. Têm razões objectivas para isso, da força da sua economia à coesão da sua identidade.

4. Em Madrid, essa aspiração catalã tem sido minada ou simplesmente bloqueada. Depois de Zapatero ter prometido e passado um novo estatuto autonómico com mais autonomia política, mudanças na relação orçamental entre Barcelona e Madrid e maior reconhecimento da identidade catalã – ainda assim abaixo o que tinha prometido para ter o apoio parlamentar dos socialistas catalães – o PP mandou a lei para o Supremo, onde conseguiu o chumbo dos artigos mais importantes. A oposição ao estatuto foi um dos instrumentos de mobilização da base eleitoral do PP, a caminho das eleições de 2011. Este rombo nas aspirações catalãs e o impacto da crise económica deram força aos independentistas com que Rajoy tem hoje de lidar.

5. O rei de Espanha esteve bem ao afirmar claramente o primado do Estado de Direito, ao lembrar o património de convivência pacífica entre os catalães e os outros espanhóis e ao dirigir-se aos anseios da maioria silenciosa catalã. Com uma situação de insurreição aberta do governo regional e das forças de segurança na Catalunha, e dado o papel do rei, não há espaço para mediação vinda da Zarzuela. Contudo, quer do lado independentista catalão, quer do governo central terá de haver cedências porque, na verdade, ambos falharam: os primeiros não têm legitimidade popular que sustente um caso moral a favor da violação grave do Estado de Direito; e os segundos não conseguem erradicar pela sua mera vontade o desejo catalão por mais autonomia.

6. Como escreve o politólogo catalão Roger Senserrich, "há um ponto médio entre a secessão e a adoração inflexível da constituição espanhola". Depois de terem esticado muito a corda, os dois lados terão, por isso, que defraudar as suas bases eleitorais, o que poderá ser fatal para os respectivos governos. A menos que continuem a pôr os incentivos políticos de curto prazo à frente – um caminho para o caos político e social, na Catalunha e em toda a Espanha. 

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