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A crise que roubou margem para reagir à próxima crise

Dez anos depois do Lehman há menos capacidade da política e dos bancos centrais para reagir a choques. O contexto externo degradou-se muito – e traz mais risco para Portugal.

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Onde está a ser cozinhada a próxima crise financeira? A directora da supervisão no Banco Central Europeu fala dos excessos no mercado imobiliário.O JP Morgan, como deu conta a jornalista Raquel Godinho no Negócios, antecipa uma grande crise de liquidez nos mercados financeiros, com impacto exacerbado pela automação cada vez maior na transacção de títulos. No Financial Times, Gillian Tett menciona com cautela a opaca China, onde a dívida pública e privada duplicou para 300% desde 2007. Há, ainda, a instabilidade nos mercados emergentes. Dez anos depois do apogeu da crise financeira – o colapso do Lehman Brothers e o resgate da AIG – não faltam avisos e previsões sobre aquilo que, afinal, é difícil de prever em termos de tempo, intensidade e origem: um sismo financeiro.

 

O que é um pouco mais fácil de identificar é a diferença de contexto face a 2007/08. E esse contexto – ou seja, o tipo de margem que os políticos e os banqueiros centrais terão para responder a choques económicos – é hoje mais desfavorável, em parte precisamente por causa do impacto da última crise. Um artigo publicado por Sony Kapoor na Bloomberg resume bem os quatro fundamentos desta degradação do contexto: mais dívida e de pior qualidade, menos capacidade dos bancos centrais, mais populismo e menos confiança entre parceiros internacionais.

 

Sobre a dívida, o Banco de Pagamentos Internacionais quantifica em 237 biliões de dólares o tamanho da montanha, mais 70 biliões do que em 2008. Refinanciar esta montanha à medida que os bancos centrais forem normalizando a política monetária será um desafio para países (como o nosso) e, sobretudo, para empresas sobreendividadas e com "rating" pior (a Altice, por exemplo). Os bancos centrais, por outro lado, têm hoje menos margem para repetirem acções inéditas como os programas de compra de activos com que tiraram as economias do risco de estagflação. As taxas de juro estão no chão (o que é um risco para a formação de bolhas no preço de activos, como as casas) e os balanços desses bancos sobrecarregados.

 

Na política temos assistido à erosão constante do centro, com os eleitores frustrados pela crise a optarem pela fragmentação entre várias forças e a ascensão dos populistas. A fragmentação dificulta a estabilidade governativa numa crise e o populismo mina a cooperação dentro da União Europeia – seja na partilha de riscos na Zona Euro (com destaque para a inacabada união bancária) ou na imigração – e entre as maiores economias mundiais. A resposta da Zona Euro ou do G8 a crises parece, à partida, mais difícil de articular.

 

O próximo choque pode não ser "o" choque – o FMI, citado por Tett, contabiliza 147 (!) crises bancárias de intensidade diferente entre 1970 e 2011. Por outro lado, os bancos estão mais capitalizados e mais bem regulados do que em 2008. (Já a cultura da indústria financeira permanece intacta.) Mas é razoável alimentar a preocupação com o efeito que um choque ou uma recessão, mesmo que moderados, podem ter no contexto financeiro e político atrás descrito. No caso de Portugal, uma pequena economia aberta muito dependente da Europa, esta maior fragilidade global corre ao lado das fragilidades específicas do país, como o endividamento alto ou a dificuldade em crescer.

 

Agora pode parecer difícil de ver: a economia portuguesa está mais equilibrada do que há dez anos, há um ciclo de recuperação, o centro político não desabou e temos um grande apaziguamento social e político. Mas, dez anos depois de uma crise financeira que expôs a crise do projecto europeu, os riscos externos para o país estão longe de terem diminuído. A longa sombra da crise continua a pairar.

 

Jornalista da revista Sábado

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