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05 de Novembro de 2020 às 19:41

Cultura emprestada

Como em qualquer negócio, o êxito está na capacidade de oferecer um produto atrativo e rentável, de distinguir as constantes das variáveis para evoluir com o mercado, e de “educar” interesses futuros.

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Aprimeira televisão eletrónica foi inventada em 1927 por Philo Taylor Farnsworth, um jovem de 21 anos que idealizou um sistema capaz de capturar imagens em movimento, codificar essas imagens e transmiti-las através de ondas de rádio. Uma das primeiras imagens que Fransworth transmitiu, e que se tornaria famosa, foi o símbolo do dólar, em resposta a outro inventor que lhe perguntou quando é que a sua invenção daria dinheiro.

Algumas estações de televisão estabeleceram-se nesse período, ainda com base na tecnologia das televisões mecânicas, e o primeiro programa de televisão foi emitido nos Estados Unidos em 1928, pensa-se que para quatro aparelhos recetores. Em 1938, a televisão começou a ser comercializada em maior escala, e três anos mais tarde, em 1941, foi transmitido o primeiro anúncio de televisão, na NBC, da marca de relógios Bulova.

Em 1950, a empresa fundada por Arthur C. Nielsen, desenvolveu um sistema de medição de audiências de televisão com base na metodologia da rádio. Estavam assim estabelecidos, de forma simplificada, os alicerces do negócio da televisão – tecnologia de difusão, público e receita – mas que enfrentava ainda o desafio do conteúdo. O primeiro líder de audiências foi a sitcom da CBS “I Love Lucy”, patrocinada desde a sua estreia, em 1951, pela Philipp Morris.

Os primeiros tempos da televisão foram de aprendizagem, com emissões inspiradas nos formatos de variedades da rádio. As estações aproveitaram este período experimental para explorar os gostos do público, e também a rentabilidade dos conteúdos que produziam, não apenas no custo de produção, mas na sua atratividade para os anunciantes. Um dos momentos assinaláveis da história da televisão aconteceria em 1948, com a sua proliferação nos lares americanos em antecipação ao Super bowl.

Nessa época são criados alguns formatos que ainda persistem, como o talk-show, desenvolvido para ocupar períodos longos de emissão com custos de produção baixos. Estes formatos dariam um suporte importante à indústria do entretenimento, todavia circunscrito aos Estados Unidos. A popularização de conteúdos americanos na Europa, à exceção do cinema, aconteceria mais tarde, nos anos 90. A cultura televisiva europeia era nessa altura influenciada por França, Itália e Inglaterra.

A televisão é introduzida em Portugal em 1957. Os anos seguintes foram abundantes em eventos históricos aos quais a televisão ficaria inevitavelmente associada: o debate presidencial entre John F. Kennedy e Richard Nixon, em 1960; os Beattles no The Ed Sullivan Show, em 1964; Neil Armstrong a pisar a Lua, em 1969. Seriam, no entanto, necessários mais de vinte anos para que o entretenimento americano alcançasse o mercado global.

Como em outras indústrias, a globalização veio acelerar este processo. As principais categorias de produtos televisivos são os conteúdos prontos a consumir (séries, documentários) e os conteúdos licenciados com adaptação local (game shows, reality shows). As diferenças nos custos de produção são significativas. O custo médio por episódio de uma série de comédia está entre 1,5 e 3 milhões de dólares, uma série de drama entre 5 e 7 milhões de dólares, enquanto um reality show se situa entre 100 e 500 mil dólares.

As séries são o principal produto televisivo exportado pelos Estados Unidos. Aliás, a sua rentabilização decorre precisamente da exportação, uma vez que em muitos casos apresentam um deficit na primeira vez que são emitidas pelas estações. Um dos aspetos relevantes dessa rentabilidade é a sua capacidade de atrair audiências entre os 18 e os 49 anos. A série “Friends”, por exemplo, teve uma receita publicitária três vezes superior por episódio à série “Crime, disse ela” com a mesma audiência total.

A americanização da cultura televisiva não é surpreendente. Os conteúdos têm elevada qualidade, temáticas universais e apelam a públicos heterogéneos. Contudo, estes conteúdos foram pensados para uma audiência jovem americana. As plataformas de streaming (Netflix, HBO), com uma base de clientes global, podem inverter esta situação. Apesar de encomendarem a maioria dos seus conteúdos aos mesmos estúdios, existem já exemplos de produções independentes e internacionais. Por sua vez, tudo indica que o público educado na cultura de televisão moderna está disposto a pagar.

O debate em torno da transformação do negócio da televisão deve ter em conta os alicerces que suportaram o seu desenvolvimento – tecnologia, conteúdo, audiência e receita –, e não pode ser confundido com a televisão enquanto meio de comunicação. O objetivo desta breve viagem pela história não foi invocar a nostalgia do passado, de tempos mais simples. Como em qualquer negócio, o êxito está na capacidade de oferecer um produto atrativo e rentável, de distinguir as constantes das variáveis para evoluir com o mercado, e de “educar” interesses futuros.

 

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