Opinião
Quando o microfone amplifica a asneira
Foi uma semana diferente do habitual. Problemas sociais e de segurança com base na raça são tema lá para fora. Em Portugal não estamos habituados a discutir tal coisa.
Bastou colocar um microfone na frente de um jovem energético e destemido candidato autárquico com experiência televisiva em programas desportivos de 3.º escalão e que procura notoriedade rápida a qualquer preço, para que a "bolha" tivesse rebentado. Falou de futebol, da academia (certamente para dar uma nota de intelectualidade), da subsídio-dependência e da vida acima da lei dos ciganos e, pasme-se, da necessidade da pena de prisão perpétua para casos perdidos como o de Pedro Dias em Arouca. Para programa eleitoral num concelho urbano é no mínimo original.
Logo começou uma corrida desatada por parte de políticos, líderes partidários e comentadores para saber quem primeiro conseguia dar cabo do candidato. Apenas o líder social-democrata, como é de resto normal, reagiu em sentido contrário ao de todos os outros. Todos falaram do mensageiro, mas ninguém se arriscou a comentar a mensagem.
Problemas de integração de minorias étnicas e de insegurança associada à existência de bairros problemáticos onde muitas vezes opera o crime organizado devem ser discutidos em público. Se fizermos de conta que não existem corremos o risco de os ver crescer. Mas a discussão mais ou menos acalorada destes problemas e a procura de soluções compete aos decisores políticos. Com discussão pública sim. Na praça pública não.
Numa campanha autárquica, talvez fizesse mais sentido apresentar propostas para resolver problemas em vez de procurar semear a discórdia entre vizinhos em nome de uma notoriedade que talvez traga alguns votos, mas que de pouco irão servir. Mais um exemplo do que não deveríamos querer. Gente que passa pela política apenas para procurar obter ganhos pessoais, ainda que fora dela. Para estes não queremos microfones.
Jurista
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico