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António Moita - Jurista 12 de Outubro de 2020 às 09:20

A derradeira oportunidade

Comecemos por onde podemos. Por nós próprios. Sem esperar que o dinheiro nos resolva todos os problemas. Dizem-nos que esta será a derradeira oportunidade. E provavelmente será mesmo.

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Ouvi António Guterres dizer recentemente que "a desinformação mata". Pode ser de facto verdade. Mas o excesso de informação, mesmo que séria e fidedigna, também não faz lá muito bem à saúde. Senão vejamos. Todos os dias somos confrontados com milhares de notícias e comentários que, ainda que vestindo diversas roupagens, vão todos dar ao mesmo tema. 

 

O tema dos últimos meses é naturalmente a pandemia. Começou por se discutir se seria apenas uma epidemia pois não tinha ainda chegado a todos os continentes. Logo que chegou, e não demorou muito tempo, a discussão acabou. Depois andámos a contar o número de baixas diárias em todos os países do mundo e a comentar os nossos sucessos e os insucessos alheios, o célebre combate pelo achatamento da curva. Quando a tempestade sanitária amainou veio o natural período de bonança, mas logo se começaram a enfatizar as consequências económicas e sociais que esta inesperada crise de saúde pública global iria trazer. A salvação era a invenção da vacina e a ciência estava voltada para o conseguir rapidamente. Os políticos, sempre mais otimistas que os cientistas, davam como certa a sua existência ainda em 2020. Promessa difícil de cumprir se quisermos ter a garantia de que não morreremos da cura.

Passámos então para a fase da discussão sobre para que é que a União Europeia serve se não se mostrasse capaz de responder aos enormes desafios que se colocavam aos diferentes estados membros. Começámos com o combate aos "países frugais" e eis-nos chegados (embora ainda sem acordo fechado) ao momento em que escolhemos a arma que iremos usar nesta guerra pela sobrevivência: a já famosa bazuca ou, como nos esclarece o dicionário, "uma arma portátil, em forma de tubo, que serve para lançar foguetes".

 

E a portabilidade da arma escolhida abriu o caminho à criatividade sobre os alvos. Foi o momento das "visões estratégicas" e de tentar definir um rumo para Portugal ainda que enquadrado pelas fronteiras definidas em Bruxelas. Da ferrovia ao hidrogénio, do investimento público ao reforço da saúde financeira das empresas, do povoamento do interior à reindustrialização do país, da prioridade aos serviços públicos à transição digital, da qualificação da população à mobilidade, à cultura e ao turismo, identificámos as áreas por onde passará a sustentabilidade de Portugal e a felicidade dos portugueses. Oxalá as coisas fossem assim tão simples.

 

A confusão está hoje instalada. Vivemos semanas em que se mistura a preocupante subida dos números da pandemia, com a incerteza quanto aos calendários seja da existência de uma vacina milagrosa seja da programação do plano de recuperação 2020-2030 e do acesso aos fundos que o tornarão possível. Pelo meio temos a negociação do próximo Orçamento de Estado com metas em que poucos acreditam e em que, provavelmente por essa razão, tudo se promete sabendo que o cumprimento das promessas dependerá sempre da evolução da economia o que, de momento, ninguém verdadeiramente controla ou tem forma de prever. Tempos perigosos estes em que se criam expetativas de crescimento e de melhoria das condições económicas impossíveis de atingir e em que alguns, cada vez de forma mais audível e descarada, se preparam para tirar partido de tudo aquilo que possa correr mal.

 

Portugal é hoje, e continuará a ser, um país extremamente dependente. Desde logo de si próprio, da sua capacidade de se organizar, de inovar e de operar uma revolução nos níveis de produtividade e eficiência do seu débil tecido empresarial. Mas também do que acontecer no resto do mundo em especial nos mercados que nos permitem vender os nossos produtos. Comecemos por onde podemos. Por nós próprios. Sem esperar que o dinheiro nos resolva todos os problemas. Dizem-nos que esta será a derradeira oportunidade. E provavelmente será mesmo. 

 

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