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16 de Fevereiro de 2018 às 13:00

Folha de assentos

O PSD volta este fim-de-semana uma página que demorou a ultrapassar com o novo ciclo governativo. Coincide com a apresentação de resultados económicos históricos. O desafio da liderança de Rui Rio é reposicionar o partido, já não como o símbolo da austeridade, mas de um futuro sustentável.

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rio. Que se espera do PSD e de Rui Rio? Uma agenda. Propostas e prioridades para Portugal. Ideias. Dizer ao que vem. Tivemos um PSD e uma liderança aprisionados a uma espera, espera do "diabo", espera da queda da "geringonça". Foi um PSD sem propostas, apenas com críticas, explorando os casos que a actualidade lhe oferecia. A experiência política ensina que o poder se perde, mais do que se ganha. E deste ponto de vista Pedro Passos Coelho apostou que as rédeas da governação não tardariam a cair-lhe nas mãos. Não foi assim. Caiu ele da liderança do PSD. Rui Rio disse pouco na campanha do partido. Não tem por hábito falar muito, mas precisa de escolher bandeiras diferenciadoras que o País reconheça.

Território, descentralização, sistema político, justiça e segurança social são temas que urge estudar e debater. Além da resposta aos desafios mais imediatos, nomeadamente no Parlamento, o PSD e Rui Rio precisam de demonstrar que estão a construir uma proposta melhor do que a que a esquerda oferece. Não é fácil. Mas não há alternativa. 

histórico. Em 2017, Portugal conseguiu fazer crescer a sua riqueza 2,7%. Será pouco, mas inusitado. Marcelo Rebelo de Sousa avaliou o feito como "um crescimento histórico", não só por ser "o mais elevado neste século", mas também porque "representa uma convergência com a Europa". Isto é, no ano passado crescemos acima da média europeia. Habituados nos últimos tempos a boas notícias na economia, parecerá vulgar. Infelizmente, não o é. Traduz um clima de confiança, uma capacidade de iniciativa e um esforço colectivo que merecem ser realçados, como o fez o Presidente da República. Acresce que foi um crescimento virtuoso, pois baseou-se menos no consumo interno do que no investimento e nas exportações. Perante estes resultados, talvez seja pouco avisado apoucá-los. O desafio deste ano é manter o ritmo. Será mais útil gastar energias políticas a encontrar melhores ideias para o conseguir. 

liderança. Uma das frustrações democráticas dos nossos dias passa pela fragilidade das lideranças. Fotogenia e empatia são qualidades reconhecidas, mas insuficientes. Não foi isso que distinguiu Churchill. O seu triunfo só aconteceu após um largo somatório de fracassos. Algo parecido se poderia dizer de Mitterrand ou de De Gaulle. Foram o tempo e as circunstâncias que lhes permitiram por à prova as suas qualidades. Crises graves e decisões de alto risco mostraram quem estava à altura. John F. Kennedy ficou na galeria dos grandes líderes, não tanto pelas transformações que operou, mas pela imagem de futuro que soube projectar. Afirmar lideranças hoje tem condicionantes muito diferentes. O tempo e desgaste da comunicação são vertiginosos e a falta de confiança na política e nos políticos muito elevada. Poucos resistem ao tempo de esperanças promissoras. Talvez Macron, em França, e Trudeau, no Canadá. São optimistas e estimulam as sociedades a dar o melhor de si. Poderá não chegar. No início do ano, M. E. Torres escrevia na revista Icon: "Os políticos modernos, condenados à vertigem contínua de sociedades cada vez mais impacientes e voláteis, muito raras vezes dispõem de tanto tempo nem recebem tantas oportunidades". Pois.

autarcas. Não passaram muitos meses sobre os incêndios e já parece que não pesam na consciência. Discutimos dias a fio, ao ritmo das tragédias, a que se deveu tamanha calamidade. Concluímos que todos temos responsabilidades, uns mais do que outros, que precisamos de mudar muito a nossa relação com a floresta e, sobretudo, que não há tempo a perder. A urgência deve mobilizar-nos, a começar pelo poder local. Resulta por isso incompreensível ouvir os lamentos dos autarcas: que não têm tempo, que o dinheiro é insuficiente… Tudo será insuficiente, o que não podem ser insuficientes é o empenho e a mobilização. Como se tivéssemos alternativa. Como se não tivéssemos que fazer tudo, tudo, o que estiver ao nosso alcance. A legislação a respeitar é a de há muito. A mesma que não cumprimos nem fiscalizámos e que agora tem de ser prioritária. Tudo isto é de uma evidência tal que custa ver e ouvir alguns autarcas a pedirem adiamentos e financiamentos para fazerem cumprir o que há muito se devia cumprir. Gostava antes de os ver arregaçar as mangas e fazerem o que estiver ao seu alcance. O fogo não espera e a tragédia não pode repetir-se. 

eutanásia. De vez em quando, a questão aflora e o debate começa. A morte assistida não tem feito parte dos programas eleitorais, embora as questões da dor, do sofrimento, dos cuidados paliativos, do envelhecimento e do prolongamento da vida estejam cada vez mais no topo da actualidade. Na designada sociedade civil, falar de eutanásia ou de morte assistida coloca dimensões morais, éticas, culturais e religiosas. Não estão suficientemente estudadas, caracterizadas, muito menos debatidas. Os partidos e a Assembleia da República tiveram pouca iniciativa. Há dois projectos de lei, a promessa de um terceiro e, pelos vistos, pressa em tomar decisões, seja no Parlamento ou em referendo.

Nada mais errado. Não há conhecimento nem debate suficientes. E o referendo costuma prosseguir objectivos outros que não os do objecto. Há muitas dúvidas, algumas propostas e muito debate por fazer. A esperança de vida nem sempre trouxe qualidade de vida. Mas há vontades, responsabilidades e liberdades a respeitar. Que fazer nos limites? O encarniçamento terapêutico não será a solução. É urgente discutir e ouvir. Decidir só depois.

empatia. Os óscares estão aí e o filme "A Forma da Água", de Guillermo del Toro, é um dos candidatos mais interessantes. Conta a história de uma empregada de limpeza muda, que se enamora de um maltratado anfíbio humanoide num laboratório secreto americano, no tempo da Guerra Fria. O realizador mexicano é um cultor do cinema fantástico, afinal um género que entronca nos primórdios do próprio cinema. Basta lembrar "Nosferatu", de Murnau, ou os filmes de Méliès.

Del Toro gosta de lembrar uma frase de Tolkien para situar a sua ideia de cinema: "Há que fazer o mundo suficientemente reconhecível para ancorarmos uma realidade e suficientemente mágico para transportar-nos fora dela". No seu filme, o monstro é a personagem mais humana do elenco. Confronta-nos com um somatório de solidões, numa época de intolerância, em que um humanoide funciona como despertador de empatia. Uma boa história, bem contada, bem interpretada, em que a água é uma espécie de eterno retorno. 


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