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Opinião
07 de Dezembro de 2017 às 13:00

Folha de assentos

Não aqueça ou não arrefeça, chamem-lhe patinho feio ou cisne resplandecente, a verdade é que Mário Centeno ganhou galões europeus. Que fará o Governo com a conquista? Talvez pouco. Ainda assim um ganho de credibilidade externa, mesmo que gerador de entropias internas.

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Compromisso. A palavra é fácil, enche a boca, povoa o léxico político, sobretudo do que se exercita na proximidade do poder. A ideia de compromisso é bem-vista, revela bom senso. Embalados pelo compromisso, atiram-se para o ar reformas e pactos de regime com tanta convicção… que nem chegam a merecer registo. O governo queixa-se da oposição porque é sempre do contra, mas não a chama ao diálogo. As oposições queixam-se do governo porque é auto-suficiente, mas quando lhes batem à porta viram costas. Diz-se, como disse Marcelo Rebelo de Sousa, que muitos dos problemas da política são de susceptibilidade. E são. Mesmo depois da tragédia continuada, como foram os incêndios, saltou à vista a incapacidade de compromisso. Mesmo que as ideias sejam próximas, há sempre um campeonato do pequeno ganho. Vergar o adversário parece mais sedutor do que unir o país. A distinção e a conflitualidade fazem falta. E muita, desde que tenham substância. Não há paciência é para o contraste falso e calculista, a disputa do pequeno ponto, a ideia de que tudo o que não é nosso é mau. Os germes populistas alimentam-se da rejeição do outro. A política reduzida ao eufemismo. Meras palavras de arremesso. 

Eurogrupo. Que fará o Governo com a conquista da presidência do Eurogrupo por Mário Centeno? Provavelmente, pouco. A responsabilidade vai acrescentar exigência ao bom aluno agora investido na pele de delegado de turma. Obriga-o a ser exemplar e a ser guardião da ordem estabelecida. Se a convicção for grande, será fácil. Mas pode e deve fazer mais do que isso. Para um país médio, em termos europeus, como é o nosso caso, o poder de influência não se ganha pelo peso específico, mas pelas boas ideias que trouxer para a resolução de problemas. Se tivermos contributos para acrescentar coesão ao euro, aproximando os do norte e os do sul, se formos fautores de soluções e de compromissos, então a presidência do Eurogrupo será um passo em frente. Caso contrário, conseguimos apenas entrar na rotação. Curioso é constatar as voltas que o Presidente da República tem dado para elogiar Centeno, o tal "patinho feio que se tornou um cisne resplandecente"… Imagine-se que Marcelo esteve à beira de empurrar Centeno por causa de uns sms trocados com um presidente da Caixa. E que, há alguns anos, o governador do Banco de Portugal vetou Centeno depois deste ter ganho um concurso internacional para director do Gabinete de Estudos do mesmo Banco de Portugal. As voltas que Portugal e a Europa dão! 

Impostos. "Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos", sentenciava há muito Benjamin Franklin. Há sempre umas excepções - do lado dos impostos -, mas apenas confirmam a regra. Pode conseguir-se adiar a morte, mexer nos impostos, mas ambos são incontornáveis. Donald Trump não gosta de impostos, o que é coerente com o que parece pensar sobre o fim a que se destinam: investir na educação, na saúde, nos transportes públicos, por exemplo. Para quem anotava que em quase um ano de mandato apenas registava derrotas, Trump acaba de conseguir uma vitória relevante. Os seus intentos de fazer enormes cortes nos impostos das empresas e dos contribuintes mais ricos estão perto de ser consumados. Os mais ricos vão pagar muito menos (passam de 35 para 20%) e os mais pobres vão pagar mais. A dívida pública americana aumentará, os programas sociais vão encolher e, de caminho (a negociação teve contrapartidas), acaba a obrigatoriedade do seguro de saúde e a exploração de petróleo no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico passa a ser possível. Como Reagan, Trump acredita que, se os ricos ficarem mais ricos, isso acabará por beneficiar os pobres. Talvez fiquem umas sobras… 

Etnografia. Um estudo original coloca-nos perante instituições do Estado vistas por dentro. Não é uma visão crítica, mas um olhar descritivo, testemunhado por antropólogos e sociólogos. A ideia foi perceber melhor o funcionamento de três funções representativas do Estado: o poder político através dos deputados à Assembleia da República; o poder judicial personificado nos magistrados e nos oficiais de justiça de dois tribunais de primeira instância; e a gestão ambiental dos funcionários da Agência Portuguesa do Ambiente. O fresco resultante evidencia o trabalho e os meandros da acção dos agentes do Estado, seja nas articulações que promovem, seja nos improvisos necessários ao cumprimento dos objectivos das instituições. Ficamos a saber, por exemplo, que muitos processos judiciais terminam antes de darem entrada nos tribunais ou que o recurso a documentação e registos em suporte papel parece mais eficaz do que a sua digitalização. "O Estado por Dentro" é um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenado pelo antropólogo Daniel Seabra Lopes, disponível em www.ffms.pt

Identidade. Morreram Belmiro de Azevedo e Zé Pedro na mesma semana. Feitos, trajectos e idades contrastantes, tudo a separá-los e, no entanto, dois homens que ganharam o respeito e admiração de muitos portugueses. Por muitas razões diferentes, decerto. Mas quero crer que, também, por algumas características comuns. Desde logo, o carácter. Dois homens genuínos, que nunca deixaram de perseguir os seus sonhos e que se assumiram por inteiro. Cada um a seu modo, foram desafiadores, não caminharam à sombra de protectores, ficaram como exemplos inspiradores. Cometeram erros, mas não desistiram. Lutaram por aquilo em que acreditavam e não hesitaram em assumir as suas convicções. Nos negócios ou na música foram homens com sede de conhecimento, actualizados, arrojados. Por isso, Belmiro e Zé Pedro foram dois construtores de identidade. Sem eles, não seriamos os mesmos. Ficamos a dever-lhes um pedaço de Portugal melhor. 

Saltillo. "Deixem-me sonhar", exclamou José Torres em Outubro de 1985 antes de um jogo da Selecção Nacional de Futebol contra a República Federal Alemã. O encontro era de apuramento para o Mundial do México e muito poucos acreditavam que pudéssemos lá chegar. Um golo extraordinário de Carlos Manuel tornou o sonho realidade e Portugal disputaria a fase final de um Mundial pela segunda vez no ano seguinte. Torres já tinha estado no Mundial de Inglaterra como jogador, o sonho levou-o a Saltillo. Porém, não seria o nosso futebol a deixar marcas no México, mas uma rebelião dos jogadores, motivada por reivindicações financeiras. As estruturas do futebol não estavam preparadas para os desafios do tempo, o que era também um paralelo com uma sociedade portuguesa em transição. A nebulosa de Saltillo ficou na memória, mas não os pormenores da revolta e do descalabro desse tempo. Uma investigação de Pedro Adão e Silva e de João Tomaz reconstitui todos os episódios que envolveram grandes figuras do futebol como Diamantino, Bento, Carlos Manuel, Gomes, Jaime Pacheco ou Futre. Surge agora em livro: "Deixem-nos Sonhar" (Tinta da China). Passa por aqui o nosso Portugal contemporâneo. 


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