Opinião
O CEO e os outros
Como é natural e nem sempre pelas melhores razões, os valores das remunerações são dos mais escalpelizados e escrutinados.
Um dos princípios mais importantes da "corporate governance" é o da transparência informativa, visando assegurar que todos os acionistas (e demais "stakeholders") tenham acesso e de modo igual a toda a informação relevante sobre a atividade da empresa e sobre os sistemas de organização e práticas do governo da empresa.
Uma das áreas em que essa transparência informativa mais tem evoluído é a das remunerações dos administradores. Nos relatórios anuais de governo societário estão discriminadas individualmente todas as remunerações auferidas, incluindo as remunerações variáveis e outros benefícios. Do mesmo modo, e com cada vez maior frequência, as declarações anuais das comissões de vencimentos apresentadas nas respetivas assembleias-gerais contêm de modo muito detalhado a fundamentação das remunerações fixadas para os administradores e de modo particular os critérios e métricas utilizadas no cálculo das remunerações variáveis dos administradores executivos.
Esta acrescida transparência possibilita, por outro lado e bem, uma realização de múltiplos estudos e análises pelas mais diversas entidades visando contribuir para que se tenha uma melhor perceção (a subsequente avaliação) do posicionamento relativo de determinada prática da empresa. Como é natural e nem sempre pelas melhores razões, os valores das remunerações são dos mais escalpelizados e escrutinados.
Recentemente, começou a ser relevada uma medida comparativa de remunerações, que se concretiza na identificação do multiplicador entre o salário médio em vigor na empresa e a remuneração do respetivo CEO. Creio que, no essencial, esta métrica se enquadra num contexto de promoção do equilíbrio e equidade salarial (em particular a sua evolução no tempo), mas das análises que já tive oportunidade de ler em "reports" e notícias da imprensa verifica-se que estamos perante um tema em que com facilidade se cometem erros grosseiros, comparando o que não é comparável, retirando-se no fim conclusões que são muito pouco consistentes.
O primeiro erro é o de se comparar empresas em indústrias com perfis muito distintos. Não faz muito sentido comparar uma empresa de mão-de-obra intensiva que geralmente tem uma base salarial mais baixa e menos qualificada, com uma empresa de capital intensivo e um forte índice tecnológico tipicamente com um quadro de trabalhadores mais qualificados. Ao mesmo tempo, uma empresa que recorra abundantemente ao "outsourcing" versus outra que opte por uma internalização da generalidade das atividades, tende a apresentar um multiplicador mais baixo, pois frequentemente as atividades de "outsourcing" representam a saída do "head count" da empresa de salários mais baixos. O segundo erro é o de não se alisar os valores das remunerações dos CEO que, quando têm, o que é frequente, uma componente variável plurianual (tipicamente de três em três anos), provoca, se não houver esse cuidado, saltos bruscos no multiplicador quando a mesma é atribuída. Finalmente, no cômputo do salário médio dos colaboradores é necessário ter em atenção aspetos como os prémios de desempenho atribuídos ou a eventual dispersão por diferentes geografias com índices remuneratórios distintos.
Creio que este tipo de métrica seria mais útil e valorizada, com comparações intra-indústria e criando-se "layers" organizacionais de comparabilidade, pois um salário médio global inclui múltiplas realidades distintas. Será tema para outro artigo.
Professor na ISCTE Business School
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico