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13 de Agosto de 2018 às 19:21

Uma comparação desonesta, de má-fé, ludibriosa

Um dos mais desonestos exercícios intelectuais a que temos assistido nos últimos anos em Portugal é o que passa por esconder, ignorar, apagar, as condições em que o governo anterior teve de exercer funções. 

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Quem ouve as esquerdas, nos debates parlamentares e televisivos, alguns deles comigo, não pode senão indignar-se com a desfaçatez com que comparam a governação de um país sem troika, sem intervenção externa, sem "rating" de lixo, fora do radar da desconfiança e já nos mercados, com um país à beira da bancarrota, de mão estendida, a braços com uma intervenção externa, com um memorando por cumprir, com uma troika a vigiar, com "ratings" de lixo a enquadrar, com desconfiança generalizada.

 

As esquerdas falam como se a margem de manobra, as opções, as possibilidades, os recursos ou a conjuntura à disposição deste Governo fossem as mesmas de que dispôs o governo anterior, como se o governo anterior não tivesse herdado um duríssimo e austero programa de ajustamento, como se este Governo não tivesse encontrado o país a crescer, o desemprego a baixar e a confiança a voltar.

 

Qualquer comparação relativa ao desempenho dos dois governos que ignore esta radical, absoluta, substancial diferença de circunstâncias - que mitigue, relativize, secundarize as dificílimas condições de governação de um país intervencionado numa Europa de moeda única - não pode senão ser considerada uma comparação desonesta.

 

Mas não é só desonesta, é também uma comparação feita de má-fé.

 

Porque as condições de governação do governo anterior, a crise, a bancarrota, a troika, a intervenção externa, o endividamento, o lixo, não foram causadas nem provocadas nem alimentadas pelo governo anterior. Pelo contrário, o governo anterior herdou-as, teve de suportá-las, teve de governar com elas, não teve escolha. Mais, o próprio memorando de entendimento que enquadrou o ajustamento foi primeiramente negociado com os socialistas, num momento em que estes já pouca margem de manobra tinham.

 

E de onde vieram elas, essas condições? Não se pode ignorar que os socialistas governaram durante treze dos dezasseis anos que antecederam a intervenção externa; sim, essas condições vieram de uma quase ininterrupta governação socialista, e essa governação, incapaz de perceber os desafios da conjuntura internacional, é indissociável da evitável exposição de Portugal a uma crise internacional que nos deixou à beira da bancarrota e nas mãos da intervenção externa. 

 

Qualquer comparação relativa ao desempenho dos dois governos que ignore as razões pelas quais o governo anterior teve de aplicar um programa de ajustamento - que presuma, insinue, dê a entender, que o ajustamento se ficou a dever a uma qualquer opção, vontade, desejo, do governo anterior - não pode senão ser considerada uma comparação contaminada de má-fé.

 

Mas não é só desonesta e de má-fé, é também uma comparação ludibriosa, porque enquanto andamos nestes desonestos exercícios, imputando ao anterior governo responsabilidades e intenções que este não teve nem tem, somos distraídos do exercício essencial, que é perceber o que correu mal nas nossas políticas, saber o que nos tem condenado a crescimentos medíocres desde 2000.

 

É por isso que qualquer comparação relativa ao desempenho dos dois governos que ignore as condições em que o governo anterior teve de exercer funções é ludibriosa: é porque tem por único objetivo disfarçar o absoluto fracasso do modelo socialista de desenvolvimento que vimos aplicado há décadas.  

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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