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06 de Março de 2017 às 20:57

Milhões em fuga para "offshores"

Nenhum político consegue defender-se satisfatoriamente da acusação política de ter deixado fugir milhões de euros para "offshores". Na perceção pública, se há "offshore", há crime ou falta grave.

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E se alguém deixou fugir milhões para "offshores", é porque se tornou conivente com a prática desse crime ou dessa falta.

 

Essa perceção é tão forte que se torna quase inútil esclarecer se houve ou não fuga de impostos, se houve ou não rendimentos por declarar, se houve ou não violação da lei.

 

De certa forma, essa acusação, desde que aparentemente sustentada, torna-se autossuficiente: todas as provas, todas as demonstrações, chegarão sempre tarde, de pouco servirão, serão desculpas de mau pagador.

 

O primeiro-ministro e os partidos que o apoiam sabem disso muito bem. E por isso aproveitaram uma notícia do Público para, reescrevendo-a, acusarem o Governo anterior de ter deixado fugir (sim, fugir) dez mil milhões de euros para "offshores".

 

A notícia do Público ("Fisco deixou sair 10.000 milhões para 'offshores' sem vigiar transferências") levanta várias questões a propósito de transferências para "offshores", a que importa dar resposta cabal.

 

Entre elas, porque é que não foi publicada informação estatística sobre as transferências para "offshores"? Essa falta de publicação determinou falta de fiscalização? Se houve falta de fiscalização a que se deveu? Devem, têm, de fiscalizar-se todas as transferências de dinheiros para "offshores"? Como? Há impostos por cobrar? Há falhas na fiscalização tributária? Qual a fiabilidade e nível de fiscalização e controlo dos sistemas informáticos da Autoridade Tributária? Exercemos suficiente fiscalização sobre "offshores"?

 

Sucede que nenhuma dessas questões, já de si graves e relevantes, animou a reação do primeiro-ministro e dos partidos da esquerda àquela notícia. Pelo contrário, todos afirmaram, ou quiseram dar a entender, que o anterior governo havia permitido algo que, fosse ele diligente, não seria possível, legal: deixaram fugir milhões, o país perdeu 10.000 milhões que, não fosse o anterior governo, eram nossos, ficariam cá, pagariam impostos cá.  

 

António Costa disse que milhões de euros "fugiram do país", Miguel Tiago disse o mesmo, e Catarina Martins disse que eles tinham saído pela "porta do cavalo". Nada disto são perguntas, tudo isto é insinuação, acusação.

 

Acontece que essa acusação, que legitimamente indigna quem nela acredita, não encontra sustentação na notícia, que aliás atualiza uma outra, de 2016, que não causou celeuma. Foi o próprio diretor do jornal, David Dinis, a lamentar a reescritura da notícia: "Enquanto de um lado nos acusavam de replicar uma notícia de abril, do outro espalhavam a ideia de uma gigantesca fuga ao Fisco."

 

Isto não significa que a notícia do Público não mereça consequências. Merece, e por isso mesmo a Comissão parlamentar está a trabalhar, e todos aqueles que lá compareceram já afastaram a ideia de que se tratou de uma gigantesca fuga ao Fisco.

 

Temos, portanto, uma acusação sem fundamento com base numa notícia que a não autorizava.

 

Mas não é uma acusação qualquer, que possa esclarecer-se. É uma acusação que perdura, que resiste. É uma acusação deliberadamente alimentada sempre que os partidos da esquerda repetem o verbo fugir a seguir à palavra "offshore". Repetem porque sabem o que fazem, porque sabem que essa é uma acusação que, na sua força, se transforma em facto. Não aconteceu, mas é um facto.

 

Isto dos factos alternativos não é exclusivo da "entourage" de Trump.

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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