Opinião
A natureza moral da atuação política do Bloco
O que importa é a questão estrutural, que não se resolve com a renúncia de Robles, que persistirá após tal renúncia, e que deve ser denunciada e exposta: a natureza moral da atuação política do Bloco.
A mais relevante questão política do Caso Robles não está no negócio em causa nem sequer na contradição entre tal negócio e o discurso do Bloco.
Sim, o negócio levanta questões, histórias mal contadas, duplos critérios, pontas soltas por averiguar; mas tudo isso, que deve ser esclarecido, é circunstancial, da responsabilidade de Robles. Sim, a contradição do negócio com o discurso do Bloco é insanável, porque se trata de negócio igual ao de investidores que o Bloco acusa de especulação; mas isso, que merecia ser notícia, é circunstancial, da responsabilidade de Robles.
O que importa é a questão estrutural, que não se resolve com a renúncia de Robles, que persistirá após tal renúncia, e que deve ser denunciada e exposta: a natureza moral da atuação política do Bloco.
Ancorado numa suposta superioridade moral, o Bloco distribui juízos de valor sobre adversários e sobre os agentes económicos e sociais que deles discordam, transformando o debate num combate moral e não político.
O Bloco não se limita a discordar das propostas da direita, o Bloco acusa-a de defender interesses escondidos. O Bloco não se limita a propor alterações legislativas, o Bloco acusa quem a elas se opuser de estar ao serviço de forças obscuras. O Bloco não se limita a defender o direito à habitação, o Bloco acusa proprietários de querer esmagar os mais pobres. O Bloco não se limita a defender um modelo económico, o Bloco acusa qualquer proprietário de ser ladrão porque a propriedade é um roubo. O Bloco não se limita a defender os serviços públicos, o Bloco acusa a iniciativa privada de ser imoral.
Esta natureza de agente moral, não apenas político, é marca identitária do Bloco. Basta ler artigos dos seus dirigentes para perceber que o combate vai muito além do político. Em matéria de habitação, então, o discurso moral é permanente. E não falo de uma certa violência verbal ou de um estilo mais verrinoso, que há quem aprecie; nem falo de propostas radicais, extremistas, que cabem no espectro político; nem falo da sua visão crítica quanto ao capitalismo, natural: falo da permanente insinuação, da permanente acusação, como se aquilo que os distinguisse fosse não tanto as suas políticas, mas a superioridade moral.
Superioridade moral a que Catarina Martins e Francisco Louçã apelaram quando apareceram a defender Robles. Vale a pena rever a defesa de Louçã na SIC, sobretudo a parte que até lhe tira o chapéu pelo seu comportamento, tratando-o como um benemérito. Vale a pena rever as declarações de Catarina Martins, a dizer que Robles nada tinha feito de errado, que era tudo uma cabala, uma reação dos grandes interesses para travar a luta do Bloco contra os interesses imobiliários (delicioso, eu sei, isto ter sido dito a propósito de um negócio imobiliário…). Foi como se, afinal, todas as suas propostas em matéria de habitação fossem irrelevantes, lero-lero, descartáveis. Como se, face a essas propostas, o negócio de Robles não estivesse em contradição não só política, como também, graças às suas próprias intervenções, moral. Bastou-lhes alegar a superioridade moral do Bloco e esperar que passasse. Não passou.
Esta superioridade moral, esta transformação do combate político em combate moral, que também tem adeptos à direita, não traz nada de bom ao debate político nem à consensualização de políticas. Pelo contrário, impossibilita-a.
Daí que a mais importante consequência deste caso não deva ser a renúncia de Ricardo Robles, que está muito longe de resolver a principal questão política do caso, mas antes a renúncia do Bloco à sua condição de agente moral no debate político e, esperemos, o desincentivo a todos aqueles que, noutras latitudes, pretendam seguir o mesmo caminho.
Advogado
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico