Outros sites Medialivre
Notícia

O que muda com a nova revolução industrial

A quarta revolução industrial chegou e, como refere Luís Florindo, director executivo da EY, é importante ter em conta que não há vencedores antecipados: não há uma tecnologia vencedora, nem empresas com vantagens inultrapassáveis, nem modelos de negócio à prova de disrupção.

29 de Março de 2016 às 11:08
Miguel Baltazar
  • Partilhar artigo
  • ...
Luís Florindo, director executivo da EY, considera que a Indústria 4.0 pode ser uma oportunidade para Portugal atrair investimento estrangeiro tanto no desenvolvimento de tecnologia a aplicar em processos produtivos 4.0 como em actividades industriais que beneficiem da proximidade aos centros de desenvolvimento dessas tecnologias." Portugal tem boa capacidade de produção de mão-de-obra qualificada nas áreas designadas por STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), e dispõe de uma rede de bons centros tecnológicos e de investigação, desde a nanotecnologia à robótica, ao software. A competitividade e a Indústria 4.0 vão ser os principais temas da conferência EY/Negócios que se realiza a 19 de Abril de 2016, no Sheraton Porto Hotel & Spa na cidade do Porto.

O que é que caracteriza a Indústria 4.0?
A Indústria 4.0 resulta da integração nas cadeias de valor dos efeitos conjugados da "internet das coisas" com uma cada vez maior capacidade de análise automática e "inteligente" da informação gerada nos processos produtivos. A partir do momento em que há uma comunicação integrada entre todos os componentes de uma cadeia de valor, e que esses fluxos de comunicação podem ser geridos de forma autónoma, através de algoritmos "inteligentes", pode-se chegar a um ponto em que a aquisição de um produto por um consumidor pode resultar, em tempo real, num efeito de feedback que afecta toda a cadeia de abastecimento e produção a montante.
Por outro lado, as maiores capacidades de "data analytics" resultam em melhores capacidades preditivas, a caminho da inteligência artificial, que já permitem que sejam os próprios equipamentos a antecipar as necessidades ou as alterações nos padrões de consumo, a fazer a recomposição de processos produtivos e a adaptação na oferta aos consumidores.

O que é que o país e as empresas têm de fazer para não perder a oportunidade que representa a denominada Indústria 4.0?
Acima de tudo, têm de estar atentos ao que ela significa, tanto em matéria de riscos como de oportunidades. Para o País, isto implica ter políticas públicas que resultem num ambiente de negócios cada vez mais propício a que actividades inovadoras se instalem no nosso País. Para as empresas, isto exige uma grande capacidade de acompanhamento do mercado e uma grande disponibilidade para parcerias, seja com start-ups com soluções inovadoras, centros de investigação, fornecedores interessados em integrar cadeias de valor ou com concorrentes interessados em ganhar massa crítica em operações que não resultam em diferenciação perante os clientes finais.
É importante ter em conta que não há vencedores antecipados: não há uma tecnologia vencedora, nem empresas com vantagens inultrapassáveis, nem modelos de negócio à prova de disrupção. O que se vai percebendo é que o ritmo e a dispersão geográfica desta nova revolução industrial não têm paralelo com nenhuma das anteriores. A capacidade de inovação de pequenas start-ups em mercados emergentes tem o potencial para resultar em tecnologia, em processos produtivos, em modelos de negócio ou em "apps" que são adoptados a nível global numa questão de meses.

Um dos desafios é a digitalização como forma de aumentar a competitividade. Que implicações tem este desafio? Qual poderá ser o impacto da denominada Internet das coisas?
As actividades industriais já usam sensores há dezenas de anos. O que diferencia a 4ª Revolução Industrial deste processo sustentado foi a concentração num curto período de tempo da capacidade de colocar em comunicação instantânea um número muito elevado de sensores ("Internet of Things"), com a capacidade de processar os elevados volumes de dados assim produzidos (elevadas capacidades de processamento), com a capacidade de interpretar a informação assim produzida (através de técnicas de "data analytics") e, finalmente, com a capacidade de conceber sistemas que usam essa informação de forma autónoma para tomar decisões.
A conjugação da Internet das Coisas com as potencialidades resultantes do digital (virtualização de sistemas, análise em tempo real, descentralização de decisões) são os fundamentos da Indústria 4.0. Para as empresas que souberem tirar partido desta nova realidade, a maior aproximação ao cliente final e à cadeia de abastecimento, bem como a maior produtividade dos processos de produção serão determinantes claros de novos ganhos de competitividade.

A gestão é decisiva no crescimento das empresas Para melhorar a competitividade o Estado deveria adoptar o princípio da confiança e as empresas colocarem a gestão na agenda do crescimento.

Quais são os pontos fortes e os pontos a melhorar na competitividade em Portugal?
Quando se analisa a competitividade, pode-se usar a perspectiva país e a perspectiva empresarial. Enquanto país, e olhando para o que são os factores normalmente considerados mais relevantes para os negócios, os "rankings" internacionais ilustram que Portugal já se encontra bastante bem posicionado nas matérias relacionadas com a disponibilidade de infra-estruturas, como as de telecomunicações e as que suportam operações logísticas. Há muitas outras matérias em que Portugal se tem vindo a aproximar das melhores práticas internacionais, através de esforços sucessivos de desburocratização e de maior utilização de mecanismos de "e-government".
No que diz respeito aos muitos aspectos a melhorar, concentram-se na falta de uma perspectiva clara de objectivos económicos de longo prazo, na ausência de consistência na aplicação de políticas em matérias económicas e fiscais, e na ainda excessiva formalidade na relação entre o Estado e os agentes económicos.
Pela positiva, há a salientar que o potencial de melhoria depende essencialmente de medidas ao alcance dos decisores públicos. Bastaria a adopção transversal e consequente de um posicionamento de princípio de confiança nas empresas, seguido de uma aplicação rigorosa de penalidades em caso de incumprimento, para que melhorassem muitos indicadores que contribuem para a avaliação da competitividade e da qualidade do ambiente de negócios.
No que diz respeito às empresas, a dinâmica exportadora das últimas décadas, reavivada desde o pico da crise económica, demonstra a existência de um tecido empresarial competitivo, mesmo à escala global. O espírito de empreendedorismo a que se assiste, a qualidade reconhecida internacionalmente das escolas de gestão e a progressiva aceleração da transferência de conhecimento das universidades para actividades económicas de alto valor acrescentado, são também bons indicadores de que a competitividade existente é sustentável e tem potencial para acelerar no futuro próximo.

Em que as empresas portuguesas têm de melhorar para atingir níveis de competitividade das multinacionais em Portugal? Quais são os principais problemas?
Há ainda muito a fazer pelos agentes privados para que mais empresas se tornem competitivas, a começar pela aposta na criação de uma escala de actividades económicas que suporte uma verdadeira competitividade internacional. Há demasiadas empresas com uma estrutura de capitais que não lhes permite crescer, assim como há demasiadas empresas a eternizar momentos de transição geracional, que se traduz em destruição de valor.
Infelizmente para muitas empresas, o processo de consolidação tem vindo a ser feito a partir do seu exterior, e por vezes do estrangeiro, por "private equities" ou empresas de capital de risco. São agentes, que têm a capacidade financeira e de gestão para assegurar a viabilização e o crescimento de negócios que de outra forma se poderiam perder.
Se mais empresários apostarem em processos de transição geracional organizados, ou em equipas de gestão profissionais, ou em processos de venda que salvaguardem o património familiar, mais empresas alcançarão uma escala de operações que permita a internacionalização e o investimento internacional bem sucedidos. 


Mais notícias