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O peso das palavras num relato de auditoria

A interpretação das Matérias Relevantes de Auditoria levanta algumas dúvidas. A certeza é que a informação é boa para os investidores mas deve ser objectiva e concisa e sem ter tendência para se tornar muito repetitiva.

Filipe S. Fernandes 11 de Janeiro de 2017 às 12:10
David Cabral Santos
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Pedro Fontes Falcão, membro do conselho fiscal da Pharol e director executivo do MBA do INDEG-ISCTE, considera que "em termos de médio e longo prazo estamos a caminhar na direcção certa", mas não deixou de alertar para o facto de "neste primeiro ano se calhar as coisas não vão correr também como se esperava, porque já estamos no final do ano e admito que em muitos casos não se tenha pensado seriamente no assunto, porque é necessário que haja antecedência na comunicação entre auditores, os órgãos de fiscalização e também a gestão, as três principais partes envolvidas".

Outra das suas preocupações vai para a interpretação que se poderá fazer nos primeiros tempos dos relatórios de auditoria e sobretudo das Matérias de Relevantes de Auditoria (Key Audit Matters), "porque mesmo quando as coisas são muito bem explicadas pessoas diferentes podem ter leituras diferentes" refere Pedro Fontes Falcão. "É mais informação e tudo o que seja informação para os investidores é positivo, desde que seja feita de uma forma objectiva. E está claro na directiva que tem de ser objectiva e concisa e que não se caia na tendência de ser muito repetitiva" refere André Gorjão Costa, CFO dos CTT.

Os investidores querem saber mais

Mais informação pode significar mais constrangimentos para as empresas, e vai ter impacto nos investidores reconhece Rui Vieira, Partner da EY, tanto mais que "o relatório de auditoria vai ser mais extenso. A média das Matérias Relevantes de Auditoria ("Key Audit Matters") nos países que já adoptaram o novo Relatório é de quatro mas há casos em que são de sete ou oito. Deve-se focar nos 'Key Audit Matters', são 'Key' não são 'Audit Matters'" salienta Pedro Fontes Falcão.

O que querem os investidores

A experiência em mercados que avançaram mais cedo com os novos modelos de reporte financeiro indica que os investidores valorizam:

Equilíbrio entre relevância e concisão da informação reportada

Apresentação clara dos principais assuntos

Conteúdo estruturado, de fácil navegação

Relatórios com linguagem clara

Remissão clara entre o relatório dos auditores e as contas

Informação sobre as conclusões dos trabalhos e não sobre o processo

Informação clara sobre o âmbito do trabalho


Segundo Rui Vieira, quer o "survey" da EY abrangendo 100 entidades no Reino Unido e na Holanda, quer o survey do Financial Reporting Council cobrindo cerca de 280 entidades, mostram que os investidores receberam de forma positiva este novo formato e conteúdo do relatório de auditoria. "Os ingleses foram mais longe do que a própria ISA 701 obriga, nomeadamente nas questões da divulgação da materialidade e do âmbito, por isso em Portugal não temos essa necessidade de relato adicional" recordou, acrescentando que "a transparência é sempre vista como um sinal de qualidade da auditoria e de melhoria de confiança nos mercados".

Pedro Fontes Falcão tem consciência de que mitigar estes riscos de comunicação não é fácil, por isso aconselha a investir "tempo na escolha das palavras e das frases, na descrição, procurar ser o mais factual possível e tentar evitar segundas leituras".

Não deixou de sublinhar que "o trabalho que os auditores já faziam implica pensar nos temas mais relevantes de auditoria, não é trabalho novo, mas expô-lo e apresentá-lo publicamente pode dar um pouco mais de trabalho e vai haver esta preocupação de se tentar minimizar qualquer mal-entendido". Deu como exemplo, o caso de um relatório de auditoria de uma empresa estrangeira, "que parecia estar bem feito, em que se referia que a empresa não deu toda a informação, nem nos facultou todas as informações solicitadas sobre este tema. Esta frase pode ter duas interpretações. Uma pode ser bombástica e que é o facto de a empresa ter escondido algumas coisa - têm problemas e não querem mostrar. Ou simplesmente foi pedida muita informação que a empresa não teve tempo para a compilar ou simplesmente não a tem, porque às vezes queremos informação que não existe e que os sistemas de informação não conseguem dar tudo aquilo que queremos e neste caso não há risco de querer enganar. Mas uma frase destas pode provocar várias interpretações".


Órgãos de fiscalização precisam de mais meios

Uma das questões que o novo paradigma coloca é se os órgãos de fiscalização (conselhos fiscais e comissões de auditoria) têm capacidade de resposta para o que adicionalmente é solicitado por via desta evolução recente na actividade de auditoria e respectiva supervisão pela CMVM. Até agora os órgãos de fiscalização, que não estão normalmente em permanência nas empresas, suportavam muito as suas análises no trabalho do auditor que tem as necessárias equipas, metodologias e experiência e "know-how" técnico e sectorial. Com os deveres adicionais que agora lhes foram estabelecidos e a consequente avaliação do seu desempenho por parte da CMVM é naturalmente necessário considerarem um reforço de tempo e meios para a execução das suas funções.

Ricardo Pinheiro, Partner da EY, considera que os órgãos de fiscalização vão necessitar de "mais recursos técnicos quer internos quer externos para que possam cumprir com o adequado o suporte documental, apreciação analítica e premência as exigências da actual legislação e tendo por base as melhores práticas profissionais e deontológicas. Sem esses recursos e meios adicionais dificilmente os órgãos de fiscalização vão conseguir preencher os deveres adicionais e cumprir com as responsabilidades que neste momento claramente se apresentam como a sua prioridade e missão para os próximos anos". 


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