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Em Beja a agricultura já trata a internet por tu

Uma plataforma que junta agricultores e clientes. Um sistema de rega optimizado. São negócios nascidos da união entre a agricultura e a inovação. Estão em Beja. Mas não querem ficar por ali.

31 de Janeiro de 2017 às 00:01
Sara Matos
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Da horta de João Sardinha avista-se, ao longe, o aeroporto de Beja. São pouco mais de 10 mil metros quadrados de terra que dão que fazer ao militar reformado, de 56 anos, que escolheu a agricultura como forma de ocupar as horas vagas. Nesta altura do ano, a horta devolve-lhe brócolos, espinafres, cenouras, nabos, e alguns citrinos como laranjas e clementinas. São esses os produtos que o agricultor vai levar para o mercado, em Beja, e colocar online na plataforma Adelaide, onde os consumidores poderão comprá-los em cabazes.

João Sardinha é um dos 15 agricultores ligados, actualmente, a esta plataforma na internet, que tem como objectivo fazer a ponte entre pequenos produtores e clientes. Para os agricultores, é uma forma de escoarem a produção. Para os clientes, uma garantia de produtos frescos e de origem conhecida. "Esta forma de vender os produtos é o futuro", diz. "Antigamente as pessoas compravam nos mercados, depois passaram para as grandes superfícies, hoje estão a querer mudar, mas não sabem para onde."

"Esta forma de vender os produtos [na internet] é o futuro." joão sardinha, Agricultor ligado à plataforma Adelaide

A plataforma Adelaide arrancou no início deste ano, mas a sua história data de 2013. Nessa altura, desafiado por um professor, um grupo de seis alunos do Instituto Politécnico de Beja, decidiu criar uma empresa, a My Farm, para desenvolver uma espécie de Farmville da vida real, uma plataforma onde os consumidores cultivavam hortas virtuais que, na prática, eram replicadas por agricultores nos seus terrenos. Mas o projecto não vingou. "Percebemos que não funcionava. Tratar da horta individualmente era caro e pouco eficiente", justifica Alice Teixeira, actual gestora da My Farm, que deixou a docência na Escola Superior Agrária para se dedicar a tempo inteiro à empresa. 

O projecto acabou por evoluir para uma segunda plataforma, a Adelaide, que carrega no próprio nome a sua razão de existir. A ex-professora conta que Adelaide é uma agricultora de Leiria que, desde o início, se mostrou entusiasmada com a plataforma. Quando ela nasceu, porém, Adelaide já havia largado a agricultura, por não ter condições para continuar. No fundo, explica a gestora, foi para as Adelaides do país que o projecto foi criado. "Há aqui uma forte vertente social", resume. "Queremos que o agricultor tenha um rendimento digno. Desde o pequeno, que tem 50 kg de laranja para vender, até ao que tem 20 hectares."

Na nova plataforma, os agricultores apresentam os seus stocks, os consumidores escolhem o que querem comprar, e os produtos são entregues por um organizador local num sítio definido, em cada uma das regiões actualmente abrangidas – Algarve, Beja, Montemor e Évora, Santarém e Sintra. A My Farm, incubada no IPBeja (Instituto Politécnico de Beja), tem tido apoio financeiro de uma empresa de soluções informáticas, a PDM, mas ambiciona caminhar em breve pelas próprias pernas. Já em Fevereiro, Alice espera um volume de negócios de 2.000 euros e, daqui a um ano, de 50 mil.

A tecnologia ao serviço da agricultura

Num dos gabinetes da incubadora, instalada no edifício da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, está também a MBOS, outra das empresas que encontrou ali a sua primeira morada. No total, são oito, a maioria das quais das áreas da informática, agricultura e agro-indústria. "Já chegámos a ter 12", refere José Pires dos Reis, director da incubadora, inaugurada em Novembro de 2014. "Mas trabalhamos com start-ups, empresas que têm muito risco quando arrancam, e muitas vezes não aguentam." 

"Queremos que o agricultor tenha um rendimento digno. Desde o pequeno até ao que tem 20 hectares."alice teixeira, Gestora da My Farm

Para Miguel Leal, fundador da MBOS, a constituição da empresa, no final de 2014, surgiu de um acaso. "Trabalhava numa empresa de abastecimento de águas e, um dia, um amigo desafiou-me para um problema num sistema de regadio: o roubo de cobre", conta. A tentativa de resolução deste problema específico acabou por ser o tiro de partida para algo maior, o desenvolvimento de todo um sistema inovador de gestão e optimização do processo de rega, que implica software e hardware, na forma de módulos de comunicação incorporados nos pivôs. "Neste momento temos uma patente convertida no Canadá, Estados Unidos, Rússia, Austrália, Arábia Saudita, Europa", refere o engenheiro do ambiente, sem pormenorizar a solução para preservar o segredo do negócio. 

A patente e a instalação do projecto demonstrador, em Alvalade do Sado, implicaram um investimento de quase 200 mil euros, financiado, em parte, por fundos do Portugal 2020. Passos fundamentais, segundo o fundador da MBOS, para licenciar a solução e fornecê-la a fabricantes de pivôs.

"O projecto demonstrador deverá terminar no início do Verão, por isso, esperamos estar a vender este ano", antecipa o responsável da empresa, que conta actualmente com apenas mais um efectivo. "O projecto foi feito para fabricantes internacionais, são eles o nosso alvo prioritário."


perguntas a josé pires dos reis - Director da incubadora do Instituto Politécnico de Beja

"Reduzirmo-nos ao ensino é limitarmos a nossa actuação"

José Pires dos Reis, professor de Contabilidade, é director da incubadora do Instituto Politécnico de Beja desde 2014. Acredita, acima de tudo, que o papel das instituições do ensino superior não se deve limitar à formação.

Como é que nasceu esta incubadora?
Cada vez mais as instituições de ensino superior devem alargar a sua actuação. É importante termos uma posição proactiva no acompanhamento dos alunos, e não apenas na formação inicial. Não lhes oferecendo emprego directo, mas disponibilizando mecanismos que os possam ajudar a criar o seu posto de trabalho. Foi nessa óptica que nasceu a incubadora. Reduzirmo-nos ao ensino é limitarmos a nossa actuação.

Quantas empresas estão instaladas na incubadora? É limitada a alunos?
Não é limitada, mas 80% das empresas que aqui estão têm como promotores ex-alunos. Actualmente, temos oito instaladas, mas já chegámos a ter 12. Apesar de estarmos a funcionar há apenas dois anos, já temos uma rotação muito grande. Por isso, já temos apoiado a constituição e a dissolução de empresas.

Já recusaram ideias de negócios?
Toda a gente tem muitas ideias ao longo da vida, mas nem todas são viáveis. O nosso trabalho começa logo no momento da ideia. Às vezes é preciso dizer às pessoas com muita franqueza: olhe, a sua ideia de negócio não vai resultar. Se quer ser empreendedor pense noutra.

E quando aparecem boas ideias, que apoio dão?
Em primeiro lugar, ajudamos a fazer os estudos de viabilidade económica, gratuitamente. Depois damos apoio na parte jurídica, ajudamos a constituir a empresa, a obter financiamento junto das instituições bancárias e, quando se justifica, atribuímos um espaço físico. A partir daí apoiamos em termos de consultoria dentro das áreas de especialização que existem no instituto. Tentamos apoiar a empresa durante três anos.

A interioridade é um factor penalizador para as empresas?
Aqui estamos longe das áreas de conhecimento, das grandes metrópoles e de um elevado número de consumidores. Temos custos de transporte mais altos e um grande envelhecimento da população. Tudo isso torna a nossa vida mais complexa. É um desafio tremendo para um empresário vir para o interior. Temos de fazer um esforço para criar uma discriminação positiva para estas regiões. Caso contrário, corremos o risco de, daqui a uns anos, Portugal ser Lisboa, o Porto e pouco mais.



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