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O aumento de literacia financeira "poderia contribuir para a melhoria das condições financeiras da população e a sua maior resiliência face a ofertas inapropriadas, e cuja dinamização teria de ser impulsionada não só pelas políticas públicas, mas também pela sociedade civil", defende Francisco Oliveira Fernandes, CEO do Banco Carregosa.
Está-se a entrar na fase da recuperação da economia, a aproximarmo-nos do fim das moratórias públicas e ainda sem os fundos do PRR. Na sua opinião quais os principais riscos e as oportunidades para o sistema financeiro no futuro próximo e qual pode ser a evolução da economia portuguesa e europeia?
A recessão económica de 2020 foi atípica pela forma abrupta como se iniciou, pela profundidade da queda do produto, mas também pela rapidez com que se recuperou dos valores mais deprimidos. Foram destruídos muito menos empregos do que seria expectável numa recessão desta magnitude. A recuperação tem sido possível devido às musculadas medidas de apoio à economia, encetadas tanto pelas autoridades monetárias globais como pelos vários governos.
No entanto, a crise económica deixou cicatrizes em muitos agentes económicos. A economia pós-covid deverá apresentar diferenças assinaláveis face ao quadro económico anterior, pelo que o valor de bens, serviços e ativos tenderá também a ter um ajuste estrutural. Os agentes mais alavancados com exposição a ativos em risco de se tornarem obsoletos ou excedentários serão os mais afetados. Os detentores de ativos ainda com procura no mercado terão mais facilidade em se recapitalizar.
O tecido empresarial irá regenerar-se e o desafio passa pela velocidade dessa renovação, eliminando as empresas-zombie e incentivando a criação de projetos viáveis e com futuro próspero nas áreas com crescimento sustentado. Os fundos do PRR serão essenciais para atrair capitais e talento para os setores do futuro, em que a Europa se quer posicionar como líder global.
A digitalização continua a ser um dos principais reptos até pela fragmentação da cadeia de valor, desde as criptomoedas e as moedas digitais até à desintermediação. Como é que vê o papel da banca, onde prevê que haja uma maior transformação?
A digitalização provoca uma profunda transformação em todos os setores e a banca não é exceção. Desde sempre que o setor bancário foi sinónimo de inovação e, nos anos mais recentes, a forte evolução tecnológica, as exigências da regulação e a grande quantidade de dados disponível têm sustentado novas linhas de inovação via digitalização.
O fenómeno de digitalização a que temos vindo a assistir, o menor uso de notas e moedas, a pandemia vivida no último ano e o aumento do interesse pelas criptomoedas, que vemos mais como um investimento especulativo do que como uma alternativa, têm acelerado o processo de adoção de um sistema de moeda digital proporcionado pelos bancos centrais. Dependendo do modelo que venha a ser seguido, os bancos poderão ser mais ou menos afetados nas suas funções de intermediação e nas fontes de financiamento, mas não cremos que ponha em causa o papel essencial da banca na alocação de recursos e gestão de risco.
Qual pode ser o papel do sistema financeiro nesta transformação numa economia mais sustentável através de financiamentos e investimentos sustentáveis?
A par da capacidade de inovação do sistema financeiro, que tem criado novos produtos de captação de capital condicionados à persecução de objetivos específicos alinhados com os critérios ESG, será essencial o contínuo apoio das políticas públicas ao cofinanciamento e ao aumento da visibilidade do apoio a estas estas áreas de forma a reduzir a incerteza dos investimentos e aumentar a atração do capital.
Portugal tem sido marcado nos últimos anos com baixas taxas de poupança e, por uma poupança ligada a depósitos a prazo e com as baixas taxas de juro estes produtos perderam atratividade. Que políticas públicas seriam fundamentais para aumentar a poupança e criar produtos mais atrativos?
A poupança resulta do rendimento disponível que não é canalizado para o consumo imediato. Assim, para dinamizar esta rubrica pode-se procurar aumentar o rendimento disponível e/ou tornar o consumo futuro mais atrativo em relação ao consumo presente. As políticas públicas ainda dispõem de alguns mecanismos para gerirem estas duas dimensões, o rendimento disponível e a escolha intertemporal do consumo, apesar de já não conseguirem agir diretamente sobre a taxa de juro, cuja responsabilidade de gestão está entregue ao Banco Central Europeu. Assim, aos governos restam as ferramentas legislativas e fiscais, as quais podem ser moldadas de forma a tornar mais apetecível o aforro de médio e longo prazo e a exposição a riscos de mercado superiores aos dos depósitos a prazo.