Outros sites Medialivre
Notícia

Mudar o mindset de aforrador para investidor

José Miguel Calheiros defende a criação de um plano nacional de literacia financeira, que ajude o cidadão português a mudar o seu tradicional mindset de aforrador para investidor.

14 de Junho de 2021 às 12:45
José Miguel Calheiros Diretor-geral da Bankinter Gestión de Activos - Portugal DR
  • Partilhar artigo
  • ...

"O mais provável é termos num futuro não muito distante, mais do que concorrência, cooperação estreita entre bancos, fintechs e big techs, inclusive parcerias formais ou mesmo aquisições, que permitam aos primeiros suprir o gap tecnológico em serviços financeiros especializados de forma quase instantânea, mantendo os ganhos de conveniência e redução de custos para o cliente", defende José Miguel Calheiros, diretor-geral da Bankinter Gestión de Activos - Portugal.

Na sua opinião, os bancos têm-se mantido figuras centrais "não obstante o ritmo frenético de inovação tecnológica nos últimos 30 anos" e "noutro formato e com um papel algo diferente do tradicional, creio que sairão vencedores na era da digitalização, dado o suporte dos reguladores e do poder real das suas marcas junto da base de clientes".

A economia portuguesa e a global enfrentam o desafio da sustentabilidade como metas definidas para esta década. Qual pode ser papel do sistema financeiro nesta transformação numa economia mais sustentável através de financiamentos e investimentos sustentáveis?
O sistema financeiro é uma peça crítica para a prossecução do objetivo de tornar o atual modelo de desenvolvimento económico mais sustentável, do ponto de vista ambiental e social. Os bancos podem e devem garantir que, no seu processo de due diligence de riscos dessas empresas, incorporam métricas de sustentabilidade.

Os investidores têm a oportunidade de impor alterações, que visem tornar as atividades das empresas mais sustentáveis.

A entrada em vigor do Regulamento SFDR na União Europeia, ao longo de 2021 e 2022, e a aprovação de uma taxonomia que permitirá caracterizar, de forma mais sistemática e consistente, as atividades sustentáveis, vem claramente reforçar o papel do sistema financeiro neste processo.

Portugal tem sido marcado nos últimos anos com baixas taxas de poupança e devido a uma poupança ligada a depósitos a prazo e com as baixas taxas de juro estes produtos perderam atratividade. Que políticas públicas seriam fundamentais para aumentar a poupança e criar produtos mais atrativos?
É fundamental, num enquadramento atual e futuro de taxas de juro de curto e médio prazo nulas, que se fomente não só a poupança, mas sobretudo o investimento e a cultura financeira necessária para o fazer como deve ser.

Por um lado, garantir o estabelecimento de um quadro fiscal atrativo e estável para soluções de investimento a médio prazo, que possam não só aumentar a taxa de poupança dos portugueses, com diferenciação positiva para os escalões etários mais baixos, como também disponibilizar capital próprio e alheio aos agentes da economia real, através dos mercados de capitais. A reintrodução de deduções à coleta de IRS de aportações a produtos ou planos de investimento com objetivos específicos ou horizonte temporal de longo prazo (mais de 10 anos) pode ser um "empurrão" inicial muito importante.

Em paralelo, e à semelhança do que já se fez noutros países, seria boa ideia implementar um plano automático de contribuição regular, por defeito, de uma pequena parte dos rendimentos do trabalho de todos os portugueses para soluções de investimento a longo prazo, públicas ou privadas. Diz-nos a experiência que a maior parte das pessoas opta por se manter fiel a este tipo de planos ao longo da sua carreira contributiva, permitindo-lhes acumular poupança significativa, sobretudo se investida, de forma diligente, nos mercados de capitais.

Faz sentido também, promover um plano nacional de literacia financeira, que ajude o cidadão português a mudar o seu tradicional mindset de aforrador para investidor, que o incentive a ver um pouco mais além do mês ou do trimestre seguinte, que o dote de ferramentas e conceitos básicos que lhe permitam planear, de forma autónoma ou com o auxílio de especialistas, a remuneração futura do seu património, de acordo com o risco que está disposto a correr.