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Ano de fortes ganhos no petróleo… mas para os produtores ainda não chega
Na reta final do ano, o "ouro negro" conseguiu recuperar fôlego e terminou 2019 com um saldo de subidas pronunciadas. Para os produtores, os atuais níveis não são ainda os ideais, atendendo a que esta matéria-prima é a responsável pelo grosso das suas receitas. Mas se a oferta continuar a exceder a procura, será difícil que o petróleo veja um 2020 mais risonho.
As cotações do petróleo não estão em níveis considerados muito elevados – pelo menos na perspetiva dos produtores e daquilo que consideram ser um bom preço para o seu produto. No entanto, no acumulado de 2019, é visível o encarecimento desta matéria-prima nos mercados: o crude de referência dos Estados Unidos (West Texas Intermediate) ganhou 34,46% em 2019, ao passo que o "benchmark" da Europa (Brent do Mar do Norte) somou 22,68%.
O WTI, negociado no mercado nova-iorquino, iniciou o ano nos 46,54 dólares por barril e terminou-o nos 61,06 dólares. Já o Brent do Mar do Norte, referência para as importações portuguesas, que é transacionado em Londres, arrancou 2019 a valer 54,12 dólares e fechou o ano nos 66,00 dólares.
E o que levou a estas subidas?
Além da natural variável da oferta e da procura (com o volume das reservas norte-americanas de crude, por exemplo, a ser sempre acompanhado com muita atenção), vários outros aspetos dominaram o mercado petrolífero no ano passado e a consequente evolução das cotações, com destaque para a guerra comercial EUA-China, as decisões da OPEP+ e os ataques a importantes instalações petrolíferas sauditas, a dimensão dos stocks norte-americanos de crude e a produção de "shale oil".
Guerra comercial: da aflição ao alívio
No que diz respeito às tensões comerciais entre Washington e Pequim, foram impostas tarifas alfandegárias adicionais, de parte a parte, o que ameaçou o crescimento mundial e, por arrasto, deixou recear uma menor procura por combustível.
Mas na reta final de 2019 as duas maiores economias do mundo alcançaram um acordo comercial parcial – chamado de Fase 1 –, o que animou fortemente os mercados, já que foi travada a entrada em vigor de novas taxas aduaneiras e começaram a ser faseadamente reduzidas as que foram impostas em setembro. Aliás, dezembro foi um dos melhores meses do ano para o petróleo, à conta deste acordo.
OPEP+ na linha da frente a tentar fazer subir os preços
As decisões da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e dos seus aliados – o chamado grupo OPEP+ – também continuaram a captar a atenção dos investidores.
A 5 de dezembro, a surpresa: o cartel não só decidiu prolongar os cortes de produção até ao fim de março de 2020 como também anunciou um reforço da dimensão da retirada de crude do mercado, o que animou os preços nos mercados internacionais.
Resta saber se todos os países cumprirão as suas quotas, já que se "prevaricarem" e excederem os níveis de produção estabelecidos, rapidamente o acordo fica "apenas no papel". Neste domínio, a Arábia Saudita terá um papel crucial, tendo até anunciado que iria mesmo fechar ainda mais a sua torneira – até porque a estatal Saudi Aramco se estreou em bolsa e só tem a ganhar com preços altos.
O cumprimento do plafond de produção é muito importante, já que o esforço concertado de corte da oferta levado a cabo por estes 24 países – os 14 membros da OPEP e os seus 10 aliados, onde se inclui a Rússia – tem sido minado pelo aumento da produção de petróleo de xisto ("shale oil") nos Estados Unidos, que este ano atingiu um máximo de sempre, tornando o país no maior produtor mundial.
Os drones do descontentamento
A 4 de setembro, um abalo inesperado – os ataques com drones a duas importantes instalações petrolíferas da Arábia Saudita, situadas em Abqaiq e Khurais – fez disparar os preços do "ouro negro". Mas foi sol de pouca dura.
Em Abqaiq, o alvo foi a maior refinaria da empresa estatal Saudi Aramco, que processa mais de metade da produção do reino. Já o campo petrolífero de Khurais produz mais de um milhão de barris de crude por dia, e a Aramco estima que possua reservas superiores a 20 mil milhões de barris.
Os rebeldes iemnitas hutis reivindicaram os ataques – que provocaram uma queda de 5,7 milhões de barris por dia na produção saudita, ou seja, metade do que o reino produz e 5% da oferta mundial – mas os drones foram identificados como sendo iranianos (os hutis, recorde-se, são apoiados politicamente pelo Irão, grande rival regional da Arábia Saudita), o que fez recrudescer também as tensões entre Washington e Teerão.
Os preços do crude dispararam em torno de 14% com a notícia destes ataques, com o Brent do Mar do Norte a chegar a escalar perto de 20%. Mas ambas as unidades recuperaram rapidamente os seus ritmos de processamento e as cotações regressaram aos níveis anteriores – tendo depois voltado a fortalecer quando foi anunciado o acordo entre os EUA e a China.
O que vem aí?
E para 2020 o que se espera? O Financial Times aponta cinco coisas a que deve ter atenção no ano que aí vem.
Uma delas é a produção de petróleo de xisto nos Estados Unidos, que vai continuar a estar no radar dos investidores, uma vez que o aumento da extração acaba por travar de alguma forma o efeito do corte de oferta da OPEP+- Segundo o FT, este será, muito provavelmente, o fator específico do mercado petrolífero com mais peso no rumo que os preços irão tomar no próximo ano.
O "shale oil" tem registado um forte desenvolvimento nos últimos anos, mas há sinais de que esse crescimento poderá abrandar ou até mesmo inverter em 2020. E tudo porque as pequenas petrolíferas independentes que ainda dominam o setor estão a ter cada vez maiores dificuldades em angariar capital para investir e em gerarem um free cash flow positivo de forma consistente.
Outro fator será o da solidez da economia global, já que qualquer abrandamento penalizará a procura por petróleo.
Também as novas decisões da OPEP+ continuarão a mexer com a evolução dos preços, bem como as medidas de combate às alterações climáticas e, em novembro, as eleições presidenciais norte-americanas – já que Donald Trump se tem esforçado por ver os preços do petróleo em níveis mais baixos e a sua reeleição significará um status quo nessa pressão.