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O espectacular colapso de um titã do private equity
A cronologia do colapso mostra como foi rápido o colapso de Naqvi, o cortês empresário paquistanês que construiu a Abraaj do início ao longo de 16 anos, para assistir ao seu colapso em apenas 10 meses.
Dias antes de se unir aos titãs dos negócios internacionais em Davos, em Janeiro, Arif Naqvi começou a cortejar outro círculo de amigos -- magnatas do Golfo Pérsico -- para uma última tentativa de salvar a sua empresa de private equity do Dubai.
Mas a situação já estava perto do descalabro. Perseguido por acusações de que a Abraaj tinha gerido mal o dinheiro dos investidores, a estrela das finanças do Dubai estava perto de ficar sem capacidade para pagar os compromissos.
Depois de Naqvi, de 58 anos, ter cedido o controlo da Abraaj, em Junho, foi revelado que durante vários anos as principais receitas não cobriram os custos operacionais. A Abraaj contraiu empréstimos para preencher os buracos e agora deve mais de mil milhões de dólares aos credores. Quando os bancos fecharam as torneiras, a empresa entrou em colapso, deixando um rastro de prejuízos, acções judiciais e reputações destruídas.
A dependência da Abraaj de diversos níveis de alavancagem criou um modelo de negócio "altamente instável" que é pouco comum na indústria de private equity, disseram os gestores de liquidação nomeados pelo tribunal que estão a desmantelar a empresa, num relatório com data de 11 de Julho que foi obtido pela Bloomberg.
Depois de analisar os documentos nos quais puderam colocar as mãos -- já que alguns desapareceram --, investigadores da PricewaterhouseCoopers (PwC) disseram que o recurso da Abraaj a empréstimos para cobrir despesas operacionais tinha deixado a empresa "sensível à volatilidade e a possíveis crises de liquidez". Agora estão a vender activos da Abraaj para pagar aos credores e a investigar acusações de "má gestão, fusão de fundos e apropriação indevida de activos".
Entre os activos da Abraaj agora à venda estão as posições em 12 fundos e uma participação numa eléctrica do Paquistão
Fonte: Relatório de liquidação da PricewaterhouseCoopers de 11 de Julho
Naqvi preferiu não comentar e a empresa defendeu o uso da alavancagem. Os empréstimos eram necessários porque a maioria dos seus clientes, especialmente no início, eram empresas familiares que nem sempre efectuavam os pagamentos no prazo, segundo um comunicado da Abraaj enviado por email.
"Olhando para trás, o ritmo de crescimento deveria ter sido mais comedido", diz o comunicado. "A equipa de back-office não estava a acompanhar o ritmo em termos de sofisticação e melhores práticas." As operações de back-office englobam, por exemplo, manutenção de registos e contabilidade.
O colapso espectacular da Abraaj foi um duro revés para a reputação do Dubai como centro financeiro global. Abalou a confiança dos investidores, entre os quais Bill Gates, a International Finance Corp. e agências governamentais dos EUA e do Reino Unido, gerou incumprimentos em empréstimos de pelo menos 10 fontes e desencadeou acções judiciais nos Emirados Árabes Unidos e na Turquia.
Os maiores credores da Abraaj. A firma de private equity está em incumprimento em pelo menos 1,1 mil milhões de dólares
Fonte: Relatório de liquidação da PricewaterhouseCoopers de 11 de Julho * Separadamente, a Air Arabia divulgou uma exposição de 336 milhões de dólares à Abraaj, sem especificar detalhes
A cronologia do colapso, construída através de conversas com cerca de uma dúzia de pessoas com conhecimento directo da empresa, mostra como foi rápido o colapso de Naqvi, o cortês empresário paquistanês que construiu a Abraaj do início ao longo de 16 anos, para assistir ao seu desmoronamento apenas em 10 meses.
Num evento do World Economic Forum em Davos, Naqvi vendeu a Abraaj como o rosto do private equity do Médio Oriente. Começou em 2002 com um capital de apenas 3 milhões de dólares e activos sob gestão de 60 milhões de dólares e cresceu a forte ritmo. A uma dada altura chegou a ter quase 14 mil milhões de dólares em activos para gerir, sendo que entre os clientes estavam investidores como a fundação Bill & Melinda Gates e os fundos de pensões dos professores do Texas.
A empresa geria fundos a partir de 18 escritórios espalhados por mercados emergentes da América Latina, África e Ásia -- uma rede que vários investidores norte-americanos já tentaram comprar a preço de saldo.
Em todo o mundo. Vários investidores estão a tentar comprar a rede de escritórios da Abraaj em mercados emergentes
Antigos empregados dizem que Naqvi fez tudo o que podia para apresentar a Abraaj como uma firma poderosa. Esbanjou dinheiro a pagar elevados salários, tinha orçamentos generosos para viagens dos funcionários e alugou um avião a jacto privado.
Patrocinou eventos como a semana Abraaj, uma conferência anual de negócios marcada por jantares de gala no luxuoso hotel Armani, que está localizado no arranha-céus mais alto do mundo, o Burj Khalifa. Naqvi era um ávido coleccionador de arte e até financiava um cobiçado concurso anual de arte que dava ao vencedor um prémio de 100 mil dólares.
Mas as fundações da empresa eram instáveis: as comissões auferidas pela gestão de investimentos entre 2014 e 2017 mal cobriam metade dos custos. "Apesar de ser verdade que as firmas mundiais de private equity prosperam ao pedir dinheiro emprestado para financiar aquisições, habitualmente não se endividam para pagar despesas correntes", refere Ludovic Phalippou, professor de Finanças da Oxford Business School. "É pouco frequente uma private equity financiar operações com um empréstimo", salienta Phalippou, que é autor do livro Private Equity Laid Bare.
O castelo de cartas de Naqvi começou a abanar em Setembro do ano passado quando os investidores de um fundo de mil milhões de dólares que tinha sido constituído em 2016 – entre eles a Fundação Gates – questionaram sobre o que tinha acontecido ao seu dinheiro.
Cresceram as suspeitas junto dos investidores de que nem todas as suas contribuições tinham sido aplicadas pelo fundo e questionaram porquê, uma vez que o fundo tinha uma cláusula que estipulava que o dinheiro em excesso teria que ser devolvido aos clientes.
E de facto, há cerca de um ano que a Abraaj tinha começado a retirar milhões de dólares de pelo menos um dos seus principais fundos – o Abraaj Private Equity Fund IV – para melhorar as suas contas. Nos primeiros meses de 2017 também retirou dinheiro de outro fundo. Posteriormente depositava nas contas dos fundos o dinheiro que obtinha através de empréstimos, dias antes destes fundos serem auditados pela KPMG, no âmbito da apresentação de contas trimestrais.
No início deste ano, a Abraaj contratou o escritório local da KPMG para verificar as transacções efectuadas por um dos fundos e anunciou que a auditora não detectou a utilização indevida de dinheiro. A KPMG International disse que está agora, em conjunto com a Linklaters, a investigar a revisão efectuada. E salientou que a KPMG não foi contratada para efectuar uma auditoria oficial ou verificar como os fundos foram utilizados.
O "cash crunch" piorou. Em Março de 2017, a Abraaj planeou vender uma posição na K-Electric, uma eléctrica paquistanesa, à Shangai Electric. A operação poderia render centenas de milhões de dólares, mas foi cancelada devido a questões regulatórias.
Na altura da queda, Abraaj estava a tentar garantir aos investidores que estava tudo bem. Mas em Novembro, quatro deles acusaram-na de retirar dinheiro do fundo sem o seu consentimento. Contrataram uma auditoria forense para apurar o que tinha acontecido. Os fundos foram posteriomente devolvidos, o que acentuou os problemas de liquidez da empresa.
Com a pressão a crescer, o círculo mais próximo de Naqvi começou a resvalar. Nos dois meses finais de 2017, vários executivos chave abandonaram, entre eles Mustafa Abdel Wadood, que apresentou a demissão mas aceitou não sair imediatamente.
Mas Naqvi não queria desistir. Anter de ir a Davos – onde se sentou num painel com Bill Gates – tentou convencer numerosos membros da elite empresarial do Golfo Pérsico para financiar a Abraaj com vários milhões de dólares através de empréstimos de curto prazo.
Um deles, Hamid Jafar, de Sharjah, concedeu um empréstimo de 300 milhões de dólares – incluindo 100 milhões para o próprio Naqvi. Pouco depois foi interposta uma acção judicial contra Naqvi e um dos directores da Abraaj, reclamando diversos cheques que estes tinham emitido como garantia dos empréstimos concedidos. Nos Emirados Arabes Unidos, onde Sharjah está integrado, esta prática é considerada uma ofensa criminal que pode dar prisão.
De acordo com três pessoas, Naqvi também recebeu cerca de 75 milhões de dólares da Air Arabia, uma companhia aérea "low cost" que no seu site ainda apresenta Naqvi como membro do seu conselho de administração. Há poucos meses, a Abraaj detinha uma posição accionista na Air Arabia, que de acordo com uma pessoa com conhecimento do assunto estava dada como colateral a bancos. Que venderam as acções quando a Abraaj entrou em falência. Em Junho, a companhia aérea divulgou que tinha uma exposição de 336 milhões de dólares à Abraaj, o que representa cerca de um quarto da sua capitalização bolsista. Fonte oficial da companhia aérea declarou que a empresa não tinha nada de novo para dizer sobre este assunto.
Outros empresários recusaram dar dinheiro a Naqvi. Um deles foi Hussain Sajwani, o bilionário que é chairman da Damac Properties e parceiro de negócios de Donald Trump em projectos no Dubai.
Durante muitos anos as comissões cobradas pelos fundos da Abraaj não cobriam os custos
Fonte: Relatório de liquidação da PricewaterhouseCoopers de 11 de Julho * VAlores para 2018 são estimados
Depois de Naqvi, em Fevereiro, ter cedido o controlo da gestão dos fundos de investimento, as coisas deterioram-se de forma rápida. Na Primavera, demitiram-se mais executivos e foram cortados postos de trabalho. Mas ainda em Maio Naqvi continuava a tentar garantir aos credores que iam receber o seu dinheiro.
Poucas semanas depois, um fundo de pensões do Koweit com uma exposição de 200 milhões de dólares selou o destino da Abraaj ao recusar um acordo para adiar o pagamento de dívidas. Pelo contrário, colocou pressão para a Abraaj suspender a actividade.
Naqvi capitulou pouco depois, avançando para tribunal a 4 de Junho, com um pedido de reestruturação nas Ilhas Caimão, onde está a sede da holding e da gestora de fundos. Os liquidatários avaliaram os activos conhecidos da Abraaj em 1,1 mil milhões de dólares, incluindo posições em 12 fundos e investimentos como a participação na K-Electric.
Este valor fica 1,4 mil milhões de dólares aquém dos activos que a Abraaj tinha reportado em Março. Os liquidatários sugeriram que a solvência da Abraaj deteriorou-se fortemente ou tinha sido sobrestimada.
Alguns empregados adiantaram que não ficaram surpreendidos com a velocidade da queda. Descreveram Naqvi como "agressivo" e "competitivo", afirmando que geria a empresa como se fosse um rei e pouca coisa poderia acontecer sem o seu consentimento. Além de que ficava furioso quando alguém questionava as suas acções.
A Abraaj rejeita esta ideia sobre a influência de Naqvi, afirmando em comunicado que a empresa "sempre foi gerida como uma parceria" e que "o entendimento e o diálogo sempre foi encorajado, interna e externamente".
Apesar de a autoridade dos serviços financeiros do Dubai não ter revelado que investigação está a realizar neste caso – se é que está a efectuar alguma – os problemas legais da Abraaj já começaram. Além do caso dos cheques devolvidos, que o advogado de Naqvi diz estar já resolvido através de um acordo extra-judicial, a firma está a ser processada por uma companhia de lacticínios turca que foi comprada em 2014 em conjunto com o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD). A Abraaj não respondeu a nenhuma das acusações.
Ao longo dos anos, a Abraaj investiu num alargado leque de indústrias e regiões. Estas nove empresas faziam parte do portfolio da firma